|
Vilarejos no Nepal viram centros clandestinos de venda de rins
A doação de rins no Nepal é ilegal, exceto se o órgão vier de um parente próximo. Mas intermediários convencem moradores pobres dessas vilas a doar os rins em troca de dinheiro ou terras. Um desses doadores, Ram Thakuri, vive num quarto úmido na casa de dois andares que pertence à família na vila de Shikharpur, menos de duas horas de carro da capital. Estábulo Muitas pessoas da vila praticam agricultura de subsistência e a vida é básica, com animais vivendo dentro das casas.
Dois desses negociadores, que, de acordo com Ram, são alfaiates no lugarejo, agendaram para ele uma viagem a Madras, na Índia, onde a operação foi feita. "Os negociadores me prometeram 160 mil rúpias (cerca de R$ 6 mil). Mas eu só recebi 75 mil rúpias (aproximadamente R$ 3 mil) e eles desapareceram", disse Ram. "O dinheiro não mudou nada na minha vida", disse ele.
Estima-se que um quinto das pessoas da vila vendeu um rim - sempre antes de fazer exames para ter certeza de que estariam em forma para fazer a doação. Udab Bajgai foi operado em Punjab, na Índia, há três anos, quando tinha 19 de idade. Ele não tinha terras nem dinheiro e estava desesperado por isso. Mas conta que não recebeu um centavo do dinheiro prometido. Badri Prasad Dhugana, um professor da escola pública local, tem tentado dar publicidade ao fato desde que teve conhecimento dos primeiros casos, há cinco anos. "Os negociadores prometem a eles entre 80 mil e 180 mil rúpias (entre R$ 3,1 mil e R$ 7 mil) dependendo do grupo sangüíneo da pessoa", conta. Ele nunca se encontrou com esses negociadores, mas acredita que muitos vivam em Kathmandu, a uma distância conveniente. Ao contrário do que acontece com esses tipos de crime em outros países, os rins doados acabam sempre retornando ao país, mesmo que doadores e receptores tenham ido até a Índia para fazer as cirurgias. Apesar de o Nepal ainda não ter a tecnologia disponível para transplantes de rins, há uma crescente demanda por esse tipo de tratamento entre os habitantes que sofrem de insuficiência renal - especialmente quando são mais ricos e educados. Dilema ético Na ala de diálise do Centro Nacional do Rim, na Índia, pacientes têm que comparecer três vezes por semana para tratamentos caros. Um novo rim pode livrá-los dessa vida. O diretor do centro, doutor Rishi Kumar Kafle, diz que os negociadores estão espertamente tirando vantagem disso. Mas ele admite que há um dilema ético na questão. "Eticamente, as pessoas não deveriam comprar rins de ninguém", diz o médico. Por outro lado, todos os dias pessoas perguntam a ele como fugir da penosa rotina da diálise. "Sendo médico, levando essas pessoas em consideração, o que posso dizer? Vá embora e morra, volte ao meu centro para diálise constantemente? Isso parece ser ilógico."
A menos de duas horas dali, em Shikharpur, o doador Udab é amargo ao falar de sua experiência. "Aconselharia outras pessoas a nunca fazer isso porque não quero que ninguém passe pelo que eu passei. Me sinto com muita raiva, mas também impotente." Esse tipo de comércio de órgãos vai continuar nas sombras no país, assim como em muitas outras nações pobres. Quanto maior for a demanda, mais pessoas vão tentar fazer dinheiro com isso. E essas são cidades onde não há a menor informação sobre os cuidados extras que devem ser tomados para manter o rim que restou. Exames médicos regulares também custam um preço que eles não podem pagar. Então, cada receptor pode significar mais uma vida em risco no vilarejo. Fonte: BBC Brasil.com |