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Células-tronco: A promessa em busca de Cientistas dos EUA trabalham em diferentes linhas de pesquisa sobre células-tronco e enfrentam sérias dificuldades para levar seus trabalhos adiante Por Gina Kolata Nos três laboratórios aqui, separados por uma corrida de táxi de não mais do que 10 ou 15 minutos, o mundo da pesquisa de células-tronco pode ser capturado em toda a sua complexidade, promessa e diversidade. Um dos laboratórios concentra-se em células tiradas de embriões humanos, outro em células de ratos e peixes, e um terceiro de células-tronco que têm sobrevivido misteriosamente no corpo adulto muito após o término de sua missão original. Mas enquanto o trabalho aqui e em outro lugar deu início a um caloroso debate atingindo a campanha presidencial, percorrer esses laboratórios mostra que o progresso da pesquisa parecer tão grande quanto pequeno de uma distância. Uma idéia, o foco de cerca da metade da pesquisa de células-tronco da nação, envolve estudar as células-tronco que estão presentes naturalmente nos adultos. Os pesquisadores têm descoberto tais células numa variedade de tecidos e órgãos e dizem que elas parecem ser uma parte do mecanismo de reparo normal do corpo. Não há questões éticas em estudar essas células, mas o problema está em colocá-las para funcionar no tratamento de doenças. Até aqui, ninguém obteve êxito. A outra linha de pesquisa, com células-tronco de embriões, tem um obstáculo diferente. Embora, na teoria, as células possam ser manipuladas para se desenvolverem em qualquer uma das células especializadas do corpo, até aqui os cientistas ainda estão trabalhando em maneiras de direcionar o crescimento delas no laboratório e eles ainda não têm curado efetivamente as doenças, mesmo em animais. O maior progresso com células-tronco é com os ratos, onde um grupo de pesquisadores direcionou as células para crescerem numa variedade de células de sangue, mas ainda não aquelas que eles querem. Outro grupo direcionou as células-tronco de rato para crescerem em células nervosas e tentou usá-las para tratar o mal de Parkinson no rato. As células nervosas produziram o elemento químico que estava faltando, a dopamina, mas não em quantidade suficiente para curar a doença. Ao mesmo tempo em que as duas linhas de pesquisa prosseguem ao longo de caminhos paralelos, os pesquisadores dizem que é muito cedo para se apostar em qual, se ambas, resultará em cura primeiro. "Não é isso ou aquilo", disse a Dra. Diana Bianchi, chefe da divisão de Genética Médica no Tufts New England Medical Center em Boston. No centro médico, disse a Dra. Bianchi, a sua incursão no mundo de pesquisa de células-tronco envolveu uma década de descobertas tão inesperadas que, apesar de sua ilustre reputação, os colegas a princípio olharam desconfiados. A Dra. Bianchi, que trabalha num laboratório ao longo de um estreito corredor de um prédio velho que foi uma vez uma fábrica de roupas, entrou na área da pesquisa por acaso quando estava tentando descobrir um novo método de diagnóstico pré-natal. Ela sabia que algumas células fetais entram no sangue de uma mulher durante a gravidez e esperava extrair essas células para o diagnóstico pré-natal. Isso provou ser muito difícil porque há tão poucas células fetais no sangue materno. Mas depois ela descobriu que as células fetais não desaparecem quando uma gravidez termina. Em vez disso, elas permanecem no corpo de uma mulher por décadas, talvez indefinidamente. E se os tecidos ou órgãos de uma mulher são lesionados, as células fetais de seu bebê migram para lá, dividem-se e se transformam no tipo de célula necessária, seja da tireóide ou do fígado, do intestino ou da vesícula biliar, cervicais ou do baço. Ela e seus colegas descobrem as células fetais procurando células masculinas em tecidos ou órgãos de mulheres que ficaram grávidas de meninos e demonstrando que o DNA das células combina com aquela dos filhos das mulheres ou, se as mulheres abortaram, dos seus fetos masculinos. ‘As células de fetos femininos também entram no corpo de uma mulher, mas é muito mais rápido e mais fácil descobrir as células masculinas procurando células com um cromossomo Y’, disse a Dra. Bianchi. Uma mulher, por exemplo, teve hepatite C, uma infecção virótica. Mas quando o fígado dela reparou os danos sozinho, usou células que não eram as delas. "Todo o fígado foi ‘repovoado’ com células masculinas", disse a Dra. Bianchi. Tais descobertas surpreenderam até a Dra. Bianchi. Mas agora, com artigos em publicações científicas importantes, inclusive no mês passado, The Journal of the American Medical Association, poucos duvidam dela. Na teoria, as células fetais movendo-se num corpo de mulher são o equivalente de uma nova fonte de células-tronco e poderiam ser estimuladas para tratar as doenças. Ratos e peixes Numa pequena distância, o Dr. Leonard Zon, chefe da pesquisa de células-tronco no Hospital de Crianças, e o seu colega, o Dr. George Q. Daley estão trabalhando com células-tronco de embriões, usando ratos e peixes ‘paulistinha’ por ora. Eles querem aprender como transformar as células-tronco em células de sangue imaturas que se dividirão e se reabasteçam de si mesmas. Depois, se eles puderam aplicar o trabalho deles em células-tronco embrionárias humanas, eles querem usar as células em vez de transplantes de medula óssea para tratar os pacientes com disfunções genéticas como a anemia falciforme, e disfunções inatas do sistema imunológico. O Dr. Zon trata de crianças com essas doenças, a maioria delas não tem um parente cujas células correspondam bem aproximadamente às delas para servir como um doador de medula óssea. Ele quer ajudar urgentemente, mas ainda não chegou lá. Até aqui, na pesquisa que os pesquisadores de células-tronco dizem estar entre a mais promissora no campo, o Dr. Zon e o Dr. Daley transformaram as células-tronco de rato em células de sangue de rato. Contudo, aquelas células são mais maduras do que as que eles precisam, um tipo particular de células de sangue iniciais que possam ‘repovoar’ a medula óssea de um paciente e sobreviver indefinidamente. E as mais maduras, vivem e morrem em questão de semanas. Eles também estão trabalhando com células-tronco embrionárias humanas, arriscando-se na área mais controversa do trabalho de células-tronco. As células-tronco embrionárias humanas são derivadas de embriões humanos, com cerca de uma semana, e a única maneira de obtê-las é destruir os embriões. Algumas células-tronco vieram de embriões doados por casais em laboratórios de fertilidade que tinham embriões abandonados após terem decidido que suas famílias estavam completas. Outras vieram de embriões criados para obter células-tronco; pesquisadores pagaram a mulheres para que doassem óvulos, fertilizaram-nos e deixaram-nos desenvolver até ao estágio onde as células-tronco podiam ser extraídas. O governo federal concordou em pagar a pesquisa com células-tronco humanas, mas somente para trabalhar com 22 linhagens; cada linhagem é a descendência de um único embrião. A restrição data de 9 de agosto de 2001, quando o presidente Bush emitiu uma norma oficial afirmando que o governo pagaria a pesquisa, mas somente com linhagens de células criadas antes daquela data. O Dr. James F. Battey, diretor do Instituto Nacional de Surdez e Outras Disfunções de Comunicação e dirigente da força-tarefa de células-tronco do National Institute of Health, disse que os cientistas estavam livres para estudar outras linhagens de células-tronco se usassem dinheiro privado. Ele entende as queixas dos pesquisadores de que seria melhor se o governo pagasse o trabalho para mais linhagens, mas, até onde o governo está envolvido, "o argumento não é somente sobre ciência", disse. "O que o presidente já disse em diversas ocasiões é que ele está comprometido com a noção de que o dinheiro do contribuinte não deve ser usado para encorajar a destruição de embriões humanos", disse o Dr. Battey. "Essa é uma política da Casa Branca". E, prosseguiu: "Ela não é baseada somente nas necessidades da comunidade científica". Para Zon, ser capaz de trabalhar em mais linhagens de células-tronco humanas poderia ajudar a pesquisa. "Quando você está tentando fazer pesquisa, você procura por toda vantagem que puder", disse ele. "Algumas linhagens de células-tronco fazem tecidos muito melhor do que as outras". Algumas, por exemplo, podem muito mais facilmente se transformar em células do sangue, e outras podem muito mais facilmente se desenvolver em células nervosas, mas não há meio de saber se há uma linhagem de células-tronco muito melhor para um tipo particular de célula sem tentar quanto mais possível for, disse o Dr. Zon. "Você desejaria encontrar a linhagem que faz o tecido que você está estudando". Um embrião pela clonagem No outro lado do rio em Cambridge (Massachusetts), no porão de um prédio de biologia no campus da Universidade Harvard, um pequeno grupo de cientistas trabalha num laboratório de duas salas no local de uma antiga loja de máquina. Entre os objetivos deles está o ir fundo numa das áreas mais controversa da pesquisa de células-tronco, que é criar embriões humanos pela clonagem e obter células-tronco desses embriões. Um embrião criado pela clonagem seria uma cópia genética exata da pessoa cujas células foram usadas para fazê-lo. Suas células-tronco e quaisquer células maduras delas derivadas iriam combinar perfeitamente com as células no corpo da pessoa, fazendo-as perfeitas células de reposição. Um dos pesquisadores de tempo parcial no laboratório de Harvard, o Dr. Kevin Eggan, aprendeu a clonar ratos como doutorando no M.I.T. Segundo ele, o grupo está buscando a aprovação do comitê de ética de Harvard para tentar começar o processo de clonagem com células humanas. O governo federal proíbe o uso de dinheiro público para pagar por essa pesquisa, mas este laboratório, dirigido pelo Dr. Douglas A. Melton, um biólogo de desenvolvimento de Harvard, não recebe verbas federais. Em vez disso, o trabalho é pago pelas Fundação Howard Hughes, a Fundação de Diabetes Juvenil e o Centro de Diabetes Naomi Berry da Universidade Columbia. Todavia, a clonagem pode ser onerosa. Em fevereiro, pesquisadores na Coréia do Sul anunciaram que eles obtiveram células-tronco de embriões humanos que eles criaram pela clonagem, mas começaram com 176 óvulos humanos e terminaram apenas com um embrião que produziu as células-tronco. O Dr. Eggan, contudo, não está procurando células de reposição. Seu objetivo com a clonagem é entender o que acontece de errado numa doença como o mal de Alzheimer, o mal de Parkinson ou a diabete. O Dr. Melton deu um exemplo. Vamos supor que ele tivesse células-tronco que eram cópias exatas de 50 pacientes com a doença de Parkinson e as direcionassem no laboratório para se desenvolverem em células nervosas do tipo que morre na doença. Ele poderia então perguntar quando e por que as células morrem. "Todas elas mostram um defeito no mesmo estágio? Se for assim, isso significaria que há uma causa comum, como um pneu furado. Ou talvez cada uma entra em colapso de um modo diferente. Há uma só maneira de se contrair o mal de Parkinson ou 50 maneiras?", perguntou o Dr. Melton. "Nós poderíamos usar aquela informação para fazer a seleção de medicamentos", ele acrescentou, possivelmente descobrindo meios para prevenir a morte da célula nervosa. Por ora, o laboratório de Harvard está se tornando um fornecedor mundial de suas próprias 17 linhagens de células-tronco embrionárias humanas, criadas sem a clonagem, e feitas a partir de 286 embriões congelados criados pela fertilização in vitro. Realismo sobre os tratamentos Enquanto isso o debate nacional sobre o uso das células-tronco embrionárias humanas prossegue. Enquanto muitos americanos dizem nas pesquisas que são a favor do uso dessas células, muitos outros têm fortes objeções morais. Criar e destruir um embrião humano para a obtenção de células-tronco, dizem, é eticamente inaceitável, e fazer pesquisa em células-tronco embrionárias humanas que já existem não transforma em certo o que é errado. É "um tipo de cooperação depois do fato com essa destruição", disse Richard Doerflinger, diretor executivo de atividades pró-vida da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos. O desafio para os cientistas no meio de um impetuoso debate político é ser realista sobre o quanto é difícil desenvolver tratamentos. O Dr. Battey relaciona alguns dos desafios adiante: fazer com que as células se desenvolvam exatamente nas células adultas que são necessitadas, demonstrar que as células adultas podem sobreviver, prevenir a rejeição e controlar o crescimento da célula. Tais questões, disse o Dr. Battey, "precisam ser abordadas em modelos animais antes que qualquer pessoa séria vá utilizá-las em humanos". (The New York Times, 24/8)
Fonte: Jornal da Ciência |