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Ação
cultural na
terceira
idade
Introdução
à sociagogia do (re)envolvimento
Adilson
Sanches Marques
Universidade
Aberta da
Terceira
Idade/UATI
Este relato de
experiência contextualiza
um
projeto de
ação cultural realizado na
cidade de
São José do
Rio
Preto, no
ano de 1997,
com o
grupo da
Terceira
Idade do SESC
Rio
Preto. O
projeto teve
por
objetivo
permitir ao
grupo a
manifestação do
sentimento topofílico (afeição
pelo
local)
em
relação ao
município,
construído
através das
dores e
sabores provenientes da
experiência de
vida.
Reservando
parte do
Tempo
Livre proporcionado
pela
aposentadoria, o
grupo reuniu-se
durante 5 meses e, no
final do
período, montou uma
exposição
fotográfica contrastando
imagens da
cidade
em 1927 e
em 1997
que ficou a
disposição do
público
durante 30
dias, nas
dependências do SESC
Rio
Preto.
Este
projeto se transformou
entre os
anos de 1999 e 2003
em uma
Tese de
doutorado, defendida
junto à
Faculdade de
Educação da USP,
em
que,
além da
descrição do
projeto, foi realizada uma
interpretação mitográfica das
imagens expostas, buscando,
assim, a
compreensão da
dimensão arquetípica e simbólica
que permeou o
processo de
criação, a
seleção de
imagens e a
montagem
final da
exposição. A
base
teórica
para a
realização do
trabalho e
sua
interpretação partiu da
abordagem
estética de Kant, passando
pelos
pensadores neo-kanteanos
como E. Cassirer e M. Eliade,
por “pós-modernos”
como J. F. Lyotard e,
também,
por
pensadores da
Escola de Grenoble,
sobretudo, G. Durand e M. Maffesoli.
Sobre a
exposição montada
pelos
idosos, tivemos, de
um
lado,
fotografias realizadas
em 1927, publicadas no
livro “Álbum
Ilustrado da
Comarca de
Rio
Preto e
região” e, de
outro,
fotografias realizadas
pelo
fotógrafo rio-pretense Paulo Berton,
em 1997.
O
grupo de
idoso foi formado
por
pessoas
que iam ao SESC
para
preencher o "tempo
livre" de uma
forma
criativa,
lúdica e
alegre.
Mas uma
coisa
era
patente no
grupo:
ninguém aceitava
ser rejeitado,
parcial
ou
totalmente. O
grupo,
apesar de
heterogêneo do
ponto de
vista sócio-cultural,
com
pessoas
que
apenas haviam
feito o
primário e
outros
com
curso
superior,
era
muito coeso.
Confesso
que, de
certa
forma,
isso foi uma
agradável
surpresa
para
mim.
Eu imaginava
encontrar
pessoas mórbidas,
pessimistas, fragilizadas e
que passariam boa
parte do
tempo narrando os
acontecimentos
trágicos de
suas
vidas. Possivelmente, o
trabalho
social
que o SESC realiza
com os
idosos, estimulando
viagens,
interação
social e cultural,
realização de
atividades
esportivas e recreativas
ajuda, e
muito, a
criar o
perfil de
idoso
que encontrei
em
Rio
Preto.
Nos meses
em
que trabalhei
com o
grupo, foi
possível se
aperceber das
relações de
poder e de
decisão nas
resoluções internas
para a
montagem da
exposição. Notei
que
nunca houve a
necessidade de se
estabelecer
um
poder
hierarquizado. As
relações foram
sempre
horizontais e
interpessoais e o
prazer
em
conviver de uma
forma
criativa e
interativa parecia
ser
mais
importante do
que as
decisões
que dali sairiam.
Em
suma,
poderia se
dizer
que
tal
processo de
criação, colorido e
sensual,
em outras
palavras,
capaz de
permitir uma ludicidade
espontânea
ou fática na
qual a
alegria, o
prazer de
compartilhar
manifesta uma verdadeira e
real
sensação de
estar
vivo e de
participar de
um "grupo",
conseguiu
fazer
com
que
todos os participantes aumentassem
sua
capacidade de
vazão e
criação de
novos
rios de
idéias e
sentimentos, os
escoadouros do
verdadeiro
poder
criativo e do
imaginário.
Na
tentativa de
interpretar as
imagens escolhidas
pelo
grupo
para
fazer
parte da
exposição (foram escolhidas 24
fotos
entre as
centenas publicadas no
livro), acredito
ter
chegado à
figura mítica de Hermes, uma
vez
que,
este
Deus, representa: as
trocas nas
relações; a
troca de
conhecimento; a
nossa
capacidade de
ouvir o
que pensam os
outros e,
com
eles,
aprender
um
pouco
mais etc.
Em
suma, Hermes simboliza o
diálogo, o
instrumento
capaz de
por
fim aos
desentendimentos e
contrariedades. Hermes
nos lembra
que
falar e
escutar
são uma
arte e
que a versatilidade e a
capacidade de
adaptação
nos tornam
mais
leves e
tolerantes.
Com Hermes aprendemos a
multiplicar
nossos
interesses, criando uma
série de
oportunidades na
vida, encontrando
pessoas, participando do
que ocorre no
mundo.
Este
Deus
nos possibilita
integrar a
luz e a
sombra. E dessa polaridade surgem
imagens
que surpreendem e encantam.
Viver o
mito de Hermes
nos
torna
mais versáteis, polêmicos e inquietos. De
certa
forma, o
convívio
com o
grupo ajudou-me na
expansão do Hermes
que se escondia
dentro de
mim,
sobretudo,
pelo
caráter "irresponsável"
do
mesmo,
mais interessado
em
jogar e
brincar
com a
vida.
Trabalhar
com a
Terceira
Idade exige uma
mentalidade não-cartesiana,
não
apolínea
por
parte do
animador/agente
cultural.
Particularmente, hoje, compreendo
que o
grupo ao
fazer de
cada
encontro
semanal uma
vivência
extremamente
lúdica,
afetiva e
criativa, ajudou a
dissolver a
mente
lúcida,
efetiva e
crítica deste
que
agora escreve.
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Fonte:
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