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Leonardo Boff globaliza crítica à globalização

 

Frei contorna marxismo e afina visão holística da humanidade pela ecologia. Novo livro dele é sobre São José e trará prefácio de Paulo Coelho

 

Por Edson Wander
 

Ele é o principal teórico da Teologia da Libertação no Brasil, corrente de pensamento que abriu as portas da Igreja Católica para a política a partir dos anos 70. Lançado pelos documentos das Conferências Episcopais da América Latina (Medellin, 1968 e Puebla, 1979), o ideário trazia o lema da "opção preferencial pelos pobres" e disseminou por toda a América Latina uma forma politizada de pensar a religião, fundindo marxismo e cristianismo. O discurso caiu como luva para os partidos de esquerda (o PT, em especial), que conquistaram a simpatia dos religiosos (padres, freis, bispos) adeptos da Teologia da Libertação.


Nos últimos anos, porém, Leonardo Boff incluiu nesse conjunto de idéias uma visão batizada por ele mesmo de "ética e eco- espiritualista". O tema tem sido recorrente nos últimos livros dele, nos quais as teorias marxistas que alimentavam a Teologia da Libertação foram sendo anuviadas por questões mais "urgentes" para o religioso, como respeito ao meio ambiente, uso racional dos recursos da natureza, "ecologia social", enfim.

 

Frade catarinense expulso do sacerdócio pelo Vaticano em 1992 por sua crescente influência no meio religioso, Genésio Darci (registro civil) tem hoje 65 anos, os cabelos estão mais grisalhos, a barba conservada espessa e a fala segue calma e serena. A boa aparência não revela as últimas intervenções cirúrgicas por que passou, primeiro com uma prótese no fêmur e mais recentemente com a retirada de um tumor na próstata. Na mão esquerda, o anel de casca de coco, simbolismo estimulado pela Teologia da Libertação entre os que se preocupam com questões sociais dentro e fora da Igreja. Em passagem por Goiânia, onde palestrou num evento sobre educação, o frei conversou com a Agência Carta Maior.

 

Eco-espiritualidade

 

As novas teorias holísticas que Leonardo Boff vem engendrando sobre religiosidade e globalização mudaram sensivelmente a relação dele com a própria Teologia da Libertação. Mas, observa, não mostram nenhuma resignação nem contornam a teoria da luta de classes, premissa da teologia politizadora. "Se estamos num Titanic afundando, não faz sentido privilegiar a luta de classes porque afundamos todos. Isso não significa que a luta de classes não exista, ela continua aí, é mundial; mas trata-se de preservar primeiro a vida. Então, não é negar a luta de classes, mas relativizá-la diante de uma luta maior", começou Boff.  

 

Mais adiante, o frade franciscano dá outra dica do ângulo com que tem visto o marxismo. "A tradição marxista, como toda tradição ocidental, é muito antropocêntrica, só vê o ser humano, só vê a classe. Hoje, nós temos que pensar biologicamente, temos que pensar a cadeia da vida", completou.

 

Entre os vários temas da entrevista, Leonardo Boff discorreu ainda sobre Protocolo de Kyoto, documento que disciplina a emissão de gases poluentes no mundo. A Rússia aderiu há pouco, fato que traz novo empecilho aos Estados Unidos, que continua resistente à idéia. "O governo americano ficará cada vez mais isolado, com sua retórica suicida de que o acordo barra o desenvolvimento", observou frei Boff. Uma postura fundamentalista para ele, questão que cresce de diversas formas no mundo. "É uma doença, e resultado da crise de espiritualidade, do consumismo e individualismo exacerbados", opinou.

 

A disputa midiática das igrejas no Brasil, segundo o frei, se insere nesse contexto. Para ele, são estratégias de mercado da fé, fazendo dela uma mercadoria como outra qualquer, sendo assim, Padre Marcelo Rossi ou o bispo Edir Macedo são igualmente "animadores de auditório", mas o frei acaba contemporizando a crítica. "É melhor ouvir um padre Rossi do que seguir Xuxa; aprende-se mais com ele, mas a lógica é a mesma, é de mercado", sugeriu. Ainda nesse capítulo, frei Leonardo Boff comentou a diferente postura que ambas as igrejas têm dado à política partidária, com participação incisiva dos evangélicos e abstenção dos católicos. "Padre não deve mesmo ser candidato, mas orientar os fiéis a tratar a política de forma ética", confirmou uma orientação da CNBB. Para o governo Lula, que conta com assessoria do também religioso Frei Betto, Boff externa otimismo. "Ele ainda está numa fase de transição econômica, mas o presidente não trairá suas raízes populares", crê.

 

Para reforçar a continuidade da relação dele com as Comunidades Eclesiais de Base, movimentos sociais, populares e religiosos, o frei cita os muitos cursos e assessorias que dá com freqüência a essas organizações. Professor aposentado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Boff diz que tem viajado bastante dentro e fora do Brasil. Seus próximos livros (soma mais de 60) terão outro título voltado para a discussão ético-espiritual da globalização e uma pesquisa de 20 anos sobre São José, que trará um depoimento do escritor Paulo Coelho, devoto do santo, segundo Boff. "Quero resgatar em São José a religiosidade do trabalhador que não fala". O livro deve ser lançado no dia 19 de março, dia de São José, na igreja homônima de Belo Horizonte (MG). Paulo Coelho só não prestigiará o evento porque lançará outro de seus livros na mesma data, informou frei Leonardo Boff, amigo de longa data do escritor.