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Mídia precisa se engajar na questão da
Aids durante todo o ano

"As pessoas não tem relações sexuais ou usam drogas apenas na época do carnaval", bravejou Stella Botelho, do Programa Municipal de Saúde de Ribeirão Preto, durante o Seminário Mídia na Luta contra a Aids, que terminou ontem na cidade, localizada no interior de São Paulo. Segundo ela, as campanhas de saúde e as notícias da mídia não devem se concentrar em períodos específicos para tratar da doença, como no dia internacional de combate à Aids (1 de dezembro), mas também no restante do ano, quando as ONGs e entidades governamentais continuam se empenhando na prevenção e tratamento da doença. Entre os portadores do vírus HIV, profissionais da saúde e da mídia presentes nas mesas redondas, um dos pontos destacados foi a banalização da doença, a vulnerabilidade social e o papel da mídia enquanto prestadora de serviços.

"A doença não está sob controle e não tem cura, ao contrário do que alguns acreditam", alertou Alex Bertoldi, do Grupo de Apoio aos Portadores de Aids (Gapa) de Ribeirão Preto. Essa falsa idéia teria ganhado força com a melhoria do tratamento anti-retroviral, que diminui a carga de vírus no sangue e melhora a qualidade de vida dos pacientes soro-positivos. A diminuição das chances da doença levar seus portadores à morte teria levado à diminuição do estado de alerta na população e do interesse da mídia em divulgar a doença.

Outro fator, mencionado pelo jornalista Liandro Lindnet, do Gapa do Rio Grande do Sul, é a mudança do perfil da Aids, com maior disseminação entre as classes sociais mais pobres, de maneira similar a que ocorre com a malária, a doença de chagas e a tuberculose - que crescem de forma silenciosa na população de baixa renda e ganham pouco destaque nos meios de comunicação. Segundo dados divulgados pelo Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids, no Brasil, a Aids cresce mais entre as mulheres, a população negra e as pessoas com menor nível de escolaridade. Atualmente são cerca de 600 mil infectados pelo HIV e desde 1983, quando foi registrado o primeiro caso da doença, 150 mil morreram.

A dificuldade de escolha da pauta "Aids" pela mídia é, reconhecidamente, um processo que transcende o jornalista, como levantado durante o debate, mas passa pelas prioridades dos editores e do próprio veículo. O interesse pelo tema a ser divulgado está relacionado ao impacto que este terá em sua audiência, e deve ser moldado dentro do espaço ou tempo disponível. "Enquanto o critério de valor da mídia for o tempo e o da sociedade o lucro, o indivíduo nunca será prioritário", lamentou Bertoldi.

A crítica colocada por ele ecoou em Botelho, do Programa Municipal de Saúde da cidade, que também vê um impasse na divulgação de uma questão complexa como a Aids, em um tempo limitado. Ela exemplificou falando da notícia divulgada nesta semana na grande mídia sobre uma pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que apresentou resultados preliminares positivos na produção de anticorpos contra o HIV. Segundo ela, alguns pacientes que procuraram o Programa para fazer o teste da Aids comentaram que em alguns anos haverá uma vacina e que, portanto, não é preciso mais se preocupar com a doença. Ou seja, a divulgação de informações em pouco tempo (geralmente as notícias de um jornal televisivo dificilmente ultrapassam um minuto) tendem a provocar mal-entendidos. Como a pesquisa apresentada nesta semana, existem outras em desenvolvimento no Brasil e no mundo (leia notícia desta semana) com o objetivo de se chegar a uma vacina que bloqueie o contágio do HIV ou elimine-o do organismo de seus portadores, mas os resultados clínicos finais, até agora, foram insuficientes para qualquer previsão otimista de produção.

Lucas Soler, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids, sugeriu a criação de parcerias de ONGs e governos com a mídia para que haja um trabalho contínuo de conscientização de jornalistas e população, reduzindo os efeitos da banalização da doença e dos estigmas dos portadores, que freqüentemente aparecem como um grupo excluído da sociedade.

Além da mídia

Mesmo quando a Aids está em pauta nos jornais, canais de TV e emissoras de rádio não se tem controle de como a informação chegará até seus receptores. Botelho enfatizou que não basta ter acesso à informação, mas é preciso adquirir um grau de consciência e, posteriormente, ter atitude para transformar nosso comportamento. "Quem não sabe que fumar pode matar?", questionou a platéia. O que ela chamou de "vulnerabilidade social" deve ser trabalhada em três frentes principais para que a prevenção à Aids seja mais eficiente: a individual, a social e a programática. A mídia não seria o único ator atuante neste processo, mas será preciso apoiar diálogos mais abertos sobre sexualidade entre professores e alunos, por exemplo, além de ampliar a conscientização dos direitos do cidadão para exigir acesso a cuidados e medicação disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
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Fonte:
http://www.comciencia.br, atualizado em 02/12/2004