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Quem cuida de quem?

O processo do cuidar do idoso sob a égide
do paradigma sistêmico

 

Por Ângela Elisete C. Herrera*

 

Ao surgir o meu interesse pelo tema de pesquisa “Quem cuida de quem: o processo de cuidar sob a égide do paradigma sistêmico”, senti a necessidade de uma maior compreensão do que fez ressoar em minha história pessoal o referido tema com tamanha veemência. Assim surgiu o meu projeto de pós-graduação e esta reflexão faz parte de minha dissertação de mestrado em Gerontologia Social na Pontifica Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

 

Assim que comecei minha busca, desde logo, percebi a riqueza e a propriedade das referências feitas por Wright Wills (1982), em seu livro “A imaginação sociológica”. Na obra, encontrei a relevância da relação entre o tema da pesquisa e a biografia do pesquisador. Mais tarde, quando iniciei as pesquisas de campo com famílias de pacientes idosos, portadores de alguma incapacidade funcional (resultado de acidentes vascular cerebral - AVCs), algo intrigava-me a pessoa do cuidador na relação com a pessoa cuidada. Não percebia que se tratava de uma relação assimétrica. Meu olhar, como pesquisadora sistêmica, criava, assim, a minha primeira e única pergunta: Quem cuida de quem? Para o começo da minha investigação, não hesitei em buscar minhas memórias afetivas e relacionais. Foi quando me deparei com  o “ato de cuidar” como fazendo  parte de uma teia de relações na qual ressoam muitas variáveis que compõem o sistema relacional do “cuidador, a pessoa cuidada e a terapeuta”.              

 

Trata-se de um processo afetivo-relacional que traz no seu cerne a questão da recursividade (Keeneey, 1997:146), sendo que o ato de cuidar é realimentado pelo processo inter-relacional, no qual o cuidador e a pessoa cuidada se conectam a partir de suas matrizes familiares (Groismam, 1976:40). Não é raro encontrarmos nas histórias de vida das pessoas que estão sendo cuidadas, vivências de terem recebido e aceito a missão de cuidador de um dos pais ou ambos ou até mesmo do cônjuge. O que leva-nos a crer que essa missão transgeracional, de “Quem cuida de quem” é uma qualidade que se desenvolveu em outro momento de sua vida e que agora emerge nesta configuração familiar.

 

O ato de cuidar foi abordado nessa pesquisa como uma “qualidade emergente” (Capra, 2002:31) e, como tal, não existe a priori. Assim, a pauta relacional que interconectam o cuidador e pessoa cuidada, faz parte de um sistema autopoiético, segundo Maturana e Varela (1984:52) o que o define como sendo “um sistema que sofre mudanças estruturais contínuas, ao mesmo tempo em que conserva sua organização em teia” (Capra, 2002:50).

 

O ato de cuidar faz parte de sistema dinâmico em uma rede de relações que transforma seus componentes continuadamente a partir de duas maneiras distintas. A primeira mudança estrutural ocorre através da auto-renovação, ou seja, o cuidador e a pessoa cuidada adquirem, por meio das experiências vividas, novas aprendizagens. No segundo tipo de mudança estrutural, todo sistema vivo cria novas estruturas. Deste fato, concluí que o ato de cuidar, sob o ponto de vista do paradigma sistêmico, é uma “propriedade emergente” na relação da pessoa do cuidador com a pessoa cuidada, portanto, não existe independente de experiência, e sim na construção da relação.

 

Minha hipótese de “Quem cuida de quem”, está sendo, ainda, co-construída, agora, com mais uma variável complexa, a da pessoa do terapeuta, que se interconecta com o sistema formado pelo cuidador e a pessoa cuidada. Esse acoplamento estrutural não nos dá um formato pronto, de qual será o modelo relacional, só é possível experiênciá-lo quem está dentro do sistema. Segundo Maturana e Varela (1970), “os sistemas são autônomos, portanto não podemos controlá-los; só podemos perturbá-los. Todo sistema é determinado por sua estrutura, e o que o ambiente faz é desencadear mudanças, porém não as especifica, nem as dirige”.

 

Acredito que terei que me tornar uma pesquisadora/dançarina, pois é a única saída que vejo para continuar minha pesquisa sobre o “ato de cuidar”, sem ser fagocitada totalmente. O sistema complexo em rede construído a partir da minha entrada na relação cuidador/pessoa cuidada trazem, constantemente, grandes turbulências em minha mente. Sinto-me diante de um “lago de areias movediças”, me convidando a mergulhar.   

 

Eis a questão: “Mergulhar ou não mergulhar”?

 

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* Mestranda do Curso de Gerontologia Social – PUC/SP, Assistente Social, Terapeuta de Casal e  Família, Titular da APTF, Formadora da Escola Vinculovida.