Mulheres desassistidas Por Ana Maria Costa - anamariacosta@terra.com.br
Pesquisa da
UnB avalia programas de atenção do SUS
Irene Sesana/UnB Agência Todo cidadão tem direito à saúde – está escrito no artigo 6º da Constituição Federal brasileira. Mas nem tudo o que está na lei é cumprido. A prova disso é uma pesquisa de doutorado da médica Ana Maria Costa, intitulada Atenção Integral à Saúde das Mulheres: Quo Vadis. Uma Avaliação da Integralidade na Atenção à Saúde das Mulheres no Brasil, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, da Universidade de Brasília (UnB), que revela um atendimento ainda bastante deficiente pelo sistema de saúde. Ana Maria analisou dados estimados para 5.507 municípios brasileiros – o que corresponde a 95% do total – por meio de uma amostra estratificada aleatória na qual realizou 627 entrevistas com os gestores das secretarias municipais de saúde entre o último trimestre de 2003 e primeiro de 2004. As informações revelam que a situação da atenção à saúde das mulheres é vergonhosa. O fato é que a integralidade preconizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) não mereceu atenção dos gestores em especial do Ministério da Saúde ao longo dos anos 1990. “Tem sido o princípio do SUS mais abandonado”, afirma a médica, que defendeu sua tese em julho de 2004 sob a orientação da professora Dirce Guilhem. Dados como acompanhamento do pré-natal, planejamento familiar, prevenção de DSTs e exames como o Papanicolau e a mamografia – importantes na identificação precoce dos cânceres mais freqüentes entre as mulheres, ou seja, câncer cérvico uterino e de mama – foram avaliados de norte a sul do país. A pesquisadora percebeu as enormes desigualdades regionais na oferta de atenção. Identificou ainda que as políticas municipais de saúde da mulher excluem as mulheres negras, índias, mulheres da zona rural e de assentamentos. Para essas mulheres não há um atendimento de fácil acesso e muito menos adequado às diversidades culturais desses grupos presentes de forma significativa em regiões brasileiras. Para avaliar o quesito integralidade, Ana criou uma classificação para o atendimento à saúde das mulheres. Veja a seguir os tratamentos incluídos em cada critério:
Do total, 51,4% estavam dos municípios excluídos de qualquer integralidade. Sem cobertura Em muitos locais há possibilidade do diagnóstico, mas o tratamento só pode ser feito em outra cidade. A disparidade é tão grande, que em 81% dos municípios não há o aparelho específico para a mamografia, que diagnostica o câncer de mama, e o tratamento só oferece cobertura para 75% da demanda em 8,1% dos municípios. As viagens para o tratamento são longas e a desistência pode levar a um final trágico. “Por isso muitas mulheres morrem de câncer de mama. Sem a garantia do tratamento em seu local de moradia, a situação se agrava pois geralmente a descoberta da doença é tardia, requerendo tecnologias de tratamento prontas, acessíveis e adequadas. Infelizmente, as mulheres não dispõem de acesso ao tratamento”, lamenta Ana. Em relação à prevenção do câncer de colo uterino, a situação é um pouco melhor: 68% dos municípios oferecem cobertura de 75% da demanda para o exame papanicolau, o que coloca em questionamento a realização de campanhas de prevenção e diagnóstico dessa patologia nos moldes das campanhas feitas na gestão do ministro José Serra. Por outro lado, se a prevenção é razoável, o tratamento para câncer de colo uterino que cobre 75% da demanda é oferecido em apenas 14% dos municípios. Na questão do planejamento familiar fica clara a perda da autonomia das mulheres na escolha do método anticoncepcional. A camisinha é distribuída em 53% dos municípios e a pílula, em 47%. Ambos os preventivos são os mais oferecidos pelo SUS. “O diafragma, um método eficiente que não causa danos, é oferecido em apenas 6,6% dos municípios (cobertura acima de 75%) e esse método poderia ser mais utilizado. Em contrapartida os métodos hormonais injetáveis já são entregues em 13,4% dos municípios, algo preocupante, pois mostra a força da indústria farmacêutica”, comenta a médica. O ideal é que as opções estivessem disponíveis homogeneamente em todos os cantos do país, pois assim mulheres teriam a chance de optar pelos métodos que melhor lhes conviessem. Outra disparidade é o tratamento para infertilidade oferecido em apenas 27% dos municípios, a maioria deles nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. A laqueadura, por sua vez, é oferecida em apenas 10% dos municípios com ampla cobertura, dado que sugere que, pela freqüência com que as mulheres recorrem à laqueadura no país, o procedimento possa ser realizado mediante pagamento pelas mulheres. Pré-natal A situação da mulher que realiza o pré-natal também não deixa de ser preocupante. Em 29% dos casos não é o mesmo profissional que acompanha a gestante durante a gravidez. “A continuidade do profissional para o tratamento pré-natal é muito importante, pois a gestante precisa de uma relação de confiança para tirar dúvidas”, aconselha a pesquisadora. Outra falha refere-se à garantia de vaga no hospital para realização do parto. Ela não existe em 10% dos municípios, fator que propicia o aumento da mortalidade das mães em gravidez de alto risco. “Suspeito que esse número seja maior ainda”, alerta Ana. Quase metade dos municípios (43%) não atende gravidez de alto risco, 45% deles não permitem visitas à maternidade e 65% não permitem a presença de familiares durante o parto. “A presença de um parente durante o parto é favorável, pois a mulher sente-se mais acolhida e segura”, explica.
Observação: por essa tabela dá para observar que quanto maior o nível de atenção às mulheres menor a percentagem de municípios atingidos. Ou seja, somente os municípios maiores oferecem uma atenção mais completa. E nos menores municípios não há atenção integral.
_____________________________ Ana Maria Costa, doutora pela UnB, médica especialista em saúde publica, militante do movimento da reforma sanitária brasileira e feminista ativista no campo da saúde da mulher. Contabiliza 25 anos de experiência na área de gestão, formulação de política e pesquisa em saúde da mulher. Atualmente trabalha no Ministério da Saúde (MS) como diretora da Secretaria de Gestão Participativa, por meio da qual vem desenvolvendo um trabalho conjunto com a UnB. No mesmo ministério, durante a década de 1980, coordenou o processo de formulação do Programa de Assistência Integral à Saúde das Mulheres (PAISM). Também coordenou, durante a década de 1990, o Núcleo de Estudos de Saúde Publica (Nesp) do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB, tendo sido responsável pela revitalização do Nesp a partir de diversos projetos voltados à consolidação do SUS. Nessa condição, colaborou com o Departamento de Saúde Coletiva da UnB. ________________ Fonte: http://www.unb.br/acs/bcopauta/saudefeminina7.htm |