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Perda de memória atinge 1 milhão no país 

Só 10% dos pacientes com Alzheimer estão em tratamento; diagnóstico precoce alivia sintomas, mas médicos apontam falta de informação 

Julia (o nome é fictício), 79, chora querendo "suas crianças" mesmo quando os quatro filhos -todos com idades acima de 55 anos- estão ao seu lado. Realina, 85, quer sair à procura da "sua casa", mesmo morando no mesmo local há 47 anos.

Em comum, elas têm o mal de Alzheimer, doença degenerativa que causa a morte gradual dos neurônios. O drama da perda gradativa da memória, interpretado agora pela personagem Laura (Glória Menezes), na novela "Senhora do Destino" (Globo), tem levado muita gente a procurar informações sobre a doença.

Na Abraz (Associação Brasileira de Alzheimer), o número de telefonemas para esclarecimento quase dobrou nas últimas semanas - passou de 25 para 45 ligações/dia. Os neurologistas também registram aumento no número de consultas.

Ainda não há tratamentos capazes de impedir, curar ou frear definitivamente o desenvolvimento do mal de Alzheimer, doença relatada em 1906 pelo médico alemão Alois Alzheimer (1864-1915) e que afeta metade dos idosos acima de 80 anos.
Porém um diagnóstico precoce e um tratamento adequado poderão melhorar os sintomas de perda de memória, diminuindo a velocidade da doença, o que se traduz em ganho de qualidade de vida para o idoso.

Exageros à parte -como Laura sofrer delírios em uma fase inicial da doença, em que esses sintomas são raros-, os médicos acreditam que a novela poderá ser útil para aumentar o índice de diagnóstico no país.

No Brasil, estima-se que menos de 10% dos cerca de 1 milhão de pacientes portadores da doença de Alzheimer estejam em tratamento -nos EUA, a taxa é de 25%. A falta de informações sobre o problema, inclusive na classe médica, é apontada pelos especialistas como a principal causa desse baixo índice.

A doença começa com pequenos lapsos de memória, dificuldade em realizar tarefas corriqueiras, até o paciente apresentar aumento no déficit cognitivo e tornar-se dependente. "Há dez anos, acreditava-se que não havia o que fazer com essa doença. Hoje sabemos que alguns medicamentos, usados na fase inicial, podem segurar a evolução clínica do Alzheimer", afirma o neurologista Renato Anghinah, da USP.

Para o neurologista geriátrico Paulo Caramelli, do Hospital das Clínicas de São Paulo, falta ainda informação à classe médica sobre a doença. "Muitos médicos não acreditam nos benefícios trazidos pelos medicamentos e por isso nem chegam a indicá-los." Estima-se que 20% dos doentes não respondam ao tratamento.

Hoje, há disponíveis na rede SUS três tipos de medicamentos para a fase inicial da doença (rivastignina, donepezil e galantamina). Essas drogas aumentam a produção da acetilcolina, neurotransmissor que está reduzido em quem tem o mal.

Porém, segundo Lilian Alicke, presidente da Abraz, a distribuição de medicamentos não está funcionando como deveria. "Há pacientes que conseguem a medicação nos primeiros meses e depois não mais. Isso faz com que todo tratamento falhe."

O país conta há um ano com um tratamento à base da substância memantina, que inibe o fluxo de cálcio nas células, restaurando a fisiologia delas e retardando a degradação celular. A droga é indicada para estágios intermediários e avançados da doença, mas, segundo Paulo Henrique Bertolucci, chefe do setor de neurologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), ela também pode ser usada fase inicial da doença, associada a outras drogas. A memantina não não está disponível na rede SUS. O tratamento mensal custa em torno de R$ 180.
Segundo os médicos, faltam informações sobre o que se pode esperar do tratamento. E, diante da suposta falta de resposta à medicação, tanto médico quanto cuidadores do paciente tendem a parar com a medicação. "É um grande erro porque, em geral, há uma aceleração da doença. O idoso não voltará a ser como era antes do Alzheimer", afirma Bertolucci.

Outro problema apontado por Caramelli é a manutenção de doses baixas do medicamento. "Deve-se começar com doses menores para ir testando a tolerância do paciente à medicação. Mas não dá para manter as mesmas doses por meses", explica.

A esperança para o tratamento do Alzheimer está em um tratamento de imunização (em fase de pesquisa) que poderia estimular a formação de anticorpos contra a proteína que destrói as células cerebrais. (CLÁUDIA COLLUCCI)

Hereditariedade da doença é dúvida comum

É comum os filhos que cuidam de pais com a doença questionarem os médicos sobre as chances de virem a sofrer do mesmo mal. A resposta é sempre a mesma: não dá para saber.
O Alzheimer familiar representa menos de 5% do total de casos da doença e, nesses casos, a hereditariedade é causada por uma anormalidade nos cromossomos 1, 14, 19 e 21, que mata os neurônios. Quando isso acontece, segundo Renato Anghinah, é comum o registro da doença precocemente, às vezes, antes dos 50 anos.

Para Paulo Caramelli, clínicos-gerais, cardiologistas, ginecologistas entre outros deveriam estar atentos aos sinais precoces da doença e encaminhar seus pacientes a um especialista. "Exceto os pediatras, todos deveriam se preocupar." (CC)

Mulher não reconhece os filhos

No começo eram apenas esquecimentos corriqueiros, episódios comuns na vida de todo adulto. Mas, para familiares dos portadores do mal de Alzheimer, há um momento divisor de águas, quando fica muito claro que a situação fugiu ao controle.

"Minha mãe sempre foi muito reservada. De repente começou a perder a censura, ter ciúmes do meu pai [com quem ela é casada há 56 anos], ficar hostil", lembra a dentista Helena (o nome é fictício). Ela prefere manter em sigilo o seu nome e o da sua mãe, Júlia, porque parte da sua família ainda não aceita o diagnóstico de Alzheimer, embora já tenha ocorrido há dois anos.

Ao mesmo tempo em que apresentava alterações de comportamento, Júlia entrou em um processo de repetição, perguntando a todo momento as mesmas coisas. Em seis meses, já não reconhecia os filhos. "Ela chora perguntando das suas crianças", diz Helena.
Há momentos, porém, em que Júlia apresenta flashes de lucidez. "Nesses momentos, meu pai se enche de esperança acreditando que ela possa melhorar." Na família, o nome da doença é vetado. Fala-se apenas que Júlia está com problemas de memória.

Na família da professora Raquel de Freitas, 49, a situação é oposta. Não há segredos sobre a doença, que já foi até tema de aula para alunos do ensino médio. "Temos de desmistificar o mal de Alzheimer. A doença está aí e todos nós estamos sujeitos a passar por isso na velhice", afirma Raquel.

Solteira e sem filhos, ela interrompeu grande parte das suas atividades para cuidar da mãe, Realina, que há três anos sofre de Alzheimer. Com a convivência, Raquel foi desenvolvendo estratégias para a mãe não sofrer. 

"Quando ela começa a chorar querendo os seus pais [que já morreram há mais de 30 anos], digo que eles estão viajando. Cada hora meus avós estão em um lugar. Já viajaram o Brasil todo", brinca a professora, que é formada em psicologia.

O momento mais crítico do dia é o período da tarde. Raquel o chama de "síndrome do pôr-do-sol". Realinda fica agitada, começa a chorar e quer sair à procura de sua casa. "Damos uma volta no quarteirão e, ao retornarmos, já está tudo bem." (CC)
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Fonte: Folha de S. Paulo, Reportagem Local, 23/01/2005.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2301200516.htm