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Estudo mostra desafios
da longevidade
e aponta uma velhice desprotegida |
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Estudo realizado por
pesquisadora do Portal do Envelhecimento na PUC-SP torna-se referência
para pesquisas e formulações de políticas sobre os efeitos do prolongamento da
vida tanto para as pessoas portadoras da Distrofia Muscular de Duchenne (DMD)
quanto para suas mães, como também denuncia a ausência de serviços de apoio.
A pesquisa Meninos & Mães da ABDIM: A epopéia da
longevidade de pessoas que convivem com a Distrofia Muscular de Duchenne e
envelhecem lado a lado, foi tema de dissertação de mestrado
em Gerontologia Social, da PUC-SP, da fisioterapeuta Bernadete Oliveira. Com
o objetivo de estudar mães e filhos, a fim de mostrar a luta, as dificuldades e
a contribuição dessas pessoas que superam desafios, conquistam a longevidade e
envelhecem lado a lado, ela analisou os meninos e mães da ABDIM – Associação
Brasileira de Distrofia Muscular. Para quem não sabe, a DMD é uma doença
muscular hereditária, que obedece ao padrão de herança ligado ao cromossomo X e,
por isso, os portadores são sempre do sexo masculino e o gene é transmitido pela
mãe (portadora assintomática). É uma doença genética de etiologia desconhecida,
progressiva, potencialmente incapacitante e letal.
A pesquisadora assinala que
existem mais de 30 tipos de Distrofia Muscular, sendo o tipo Duchenne a mais
agressiva e a de maior incidência: 1 para cada 3.500 nascimentos masculinos. No
Brasil, em 2001, 1.589.038 nasceram vivos do sexo masculino. “Estima-se que
nesse mesmo ano nasceram 454 meninos portadores de DMD. O fato é que essas
pessoas são determinadas, geneticamente, para serem completamente dependentes e
têm a complicação pulmonar como a principal causa de morte prematura,
mortalidade altíssima na idade de 15 – 17 anos, e sobrevida rara após os 25 anos
de idade”, aponta. Bernadete Oliveira assinala que a adoção de equipamentos
tecnológicos, principalmente, que propiciem um suporte ventilatório de acordo
com a fase de evolução da doença, do comprometimento da função respiratória,
retardam a perda da função vital ou mesmo evitando-a, promovendo o aumento de
sua expectativa de vida, o que não quer dizer que as pessoas portadoras nem as
que cuidam, geralmente suas mães, sobrevivam bem.
O foco principal da pesquisa
foi com o processo de envelhecimento da mãe, marcado tanto pelo desgaste
associado ao desenvolvimento biológico, quanto pelo crescente aumento de
dependência do filho que, com o avanço da idade, torna-se cada vez mais
vulnerável, aumentando a necessidade de cuidados e de apoios praticamente
inexistentes.
Através das falas das mães a
pesquisadora retrata um universo denso, intenso, doloroso e muito solitário,
vivenciado por muitas mulheres, que começam sua epopéia na busca pelo
diagnóstico da doença. A fala de uma das mães mostra o sistema caótico de saúde
além do despreparo de alguns profissionais de saúde:
Ele já
estava com dois anos e eu levei num médico pediatra, que me encaminhou pra um
neurologista. Ai, leva este menino pra fazer um eletroencefalograma, esse menino
não tem nada e deu um remédio para convulsão. Mas ele era muito agitado. Não
dormia, chorava demais. Foi passando o tempo e eu fui vendo que ele estava pior.
E eu levei no posto; ele estava com quase seis anos nessa coisa de tomar
remédio. Vai na APAE, porque lá tem tratamento pra essas coisas. Esse menino
está com problema; e vai na psicóloga. Quis ir na AACD, mas na AACD eles não
quiseram, porque diz que o caso não era de lá. Eu estava sem saber o que ele
tinha, ai eu fui no posto de saúde e a médica me mandou lá pro Hospital Menino
Jesus. A médica examinou e falou: eu já sei o que esse menino tem, mas vamos
fazer biópsia. Aí encaminhou pro Hospital São Paulo e lá foi feita a biópsia
confirmando que ele tinha distrofia muscular. E, nessas alturas, como eu tinha
outro filho, falaram que era pra levar pra fazer também. Aí constatou que os
dois tinham distrofia muscular. E dali pra cá eu fiquei cuidando dos dois.
O impacto
do diagnóstico é trágico, como expressa uma mãe:
Quando eu soube, eu entendi,
quando uma pessoa diz: você vai se arrepender de ter nascido. Eu arrependi de
ter nascido. Eu falei: porque minha mãe foi me ter? Eu entendi o significado
daquela frase, quando eu tive certeza que meu filho tinha Distrofia. Um médico
me falou, antes de eu vir para cá. Eu cheguei em casa; meu ex-marido é policial;
eu peguei a arma dele. Eu falei assim: é, eu não posso nem dar um tiro na minha
cabeça, porque meu filho vai precisar de mim. Por ele eu não me matei. Por ele
eu estava daquele jeito. Por ele eu não me matei. É terrível quando a gente
descobre.
Conviver com a doença, com a falta de acessibilidade
arquitetônica, social, sem recursos, além da morte enunciada e anunciada
cotidianamente no corpo do filho, faz com que as mães confessem preferir que ele
“vá” antes delas, afinal quem poderia cuidar dele? O depoimento a seguir retrata
essa preocupação:
Eu tenho muito medo. Se
acontecer alguma coisa comigo. Minha preocupação é assim: quem vai cuidar dele?
É uma coisa dolorida. Mas eu prefiro eu sofrer que ele. Porque não tem quem vai
cuidar dele. A família sumiu. Não tem quem vai ter paciência. O carinho que eu
tenho. Antes eu pensava o certo da vida: meu filho vai fechar meus olhos. Jamais
eu quero perder o meu filho. Mas uma situação assim é a melhor coisa. Porque é
uma preocupação que eu tenho. Você ouvir uma mãe falar isso, que prefere que o
filho morra, não é fácil.
Para a pesquisadora, trazer à tona os aspectos singulares das
biografias dessas mães é dar voz a quem é, constantemente, considerado como
objeto (ou anexo) não como sujeito conhecedor da realidade. Para ela, a
realidade dos sujeitos deste estudo implica na conjugação da prática de
cidadania e civilidade, em como lidar com a longevidade humana, com o desejo de
viver no desencadear de situações incapacitantes.
Bernadete Oliveira considera que os Meninos da ABDIM trazem
uma grande inquietude sobre o prolongamento da vida. Segundo ela, suas mães já
disseram que o viver mais exige um contínuo esforço físico, psicológico e
financeiro; e que coube a elas a responsabilidade de lutar pela vida do filho;
de valorizar a vida dele quando esta “caminha para a própria destruição”; de
suportar a dor de conviver cotidianamente com a morte eminente do filho; e de
superar o cansaço, gerado pela função materna de manter a sobrevivência do
filho.
Na realidade, a epopéia da longevidade densamente narrada
nesta pesquisa, além de chamar a atenção da sociedade sobre a ausência de
serviços de apoio comunitário e do próprio Estado, nos chama também a atenção
para um debate público sobre os aspectos éticos, políticos e científicos que a
envolve; obrigando cada um de nós a refletir sobre esses valores. Ao término de
seu estudo, a pesquisadora nos deixa algumas interrogações: O que pensar sobre
os impactos negativos e problemáticos da epopéia da longevidade? O que dizer
desse fato que, por analogia, também traz os problemas do processo de
envelhecimento, da velhice, na atualidade? Quando e em quais condições a
longevidade humana fará parte de nossas vidas?
Como foi feita a pesquisa
A
pesquisa foi
realizada na Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM), localizada
em São Paulo, com 50 mães e 51 filhos, no período de
março de
2002 a
novembro de 2003.
Focalizou-se a mãe da pessoa portadora de
DMD, que envelhece e continua a prestar cuidados contínuos e cada vez mais
específicos, ao filho. Foram utilizados instrumentos de pesquisa
quanti-qualitativa: observação participante, questionário semi-estruturado e
diário de campo. Utilizou-se o método analítico informatizado SPAD.T para
analisar a narrativa dos sujeitos, a fim de se complementar os dados
quantitativos, abrangendo categorias de totalidade social, cultural,
econômica, saúde, apoio e de cotidianidade. Resultados e conclusões:
A média de idade das mães é de 42,55 anos; na maioria casadas, de
baixo nível de escolaridade e sem renda pessoal; e residentes na periferia
da cidade de São Paulo. Os filhos têm em média
14,61 anos de idade, a maioria freqüenta a escola, utiliza cadeira de rodas
para locomoção e é assistida pelo SUS. A análise detém-se, mais
enfaticamente, na subdivisão por sete anos das faixas etárias,
caracterizando a biografia dos sujeitos que, desde o nascimento, convivem
cotidianamente com a Distrofia Muscular de Duchenne.
O acesso aos avanços da tecnologia e os cuidados
maternos intensivos contribui para o aumento da expectativa de vida das
pessoas portadoras de DMD. No entanto, questões de ordem social, econômica,
existencial e ética são fundamentais para a reflexão da longevidade,
especialmente de pessoas portadoras de DMD, completamente dependentes de
suas mães, as quais convivem diariamente com a morte do filho precocemente
enunciada e anunciada no corpo. |
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