Por que autocuidados na velhice ?
Por Giulio Vicini *– pesquisador mentor Os profissionais de saúde, em geral, referem-se a autocuidados quando querem focalizar as ações que as pessoas realizam cotidianamente no cuidado de si mesmas na rotina da vida pessoal e social. Assim, autocuidar-se seria vestir-se, tomar banho, pentear-se, cortar as unhas, tomar refeições, fazer compras, deslocar-se, etc. Essas ações de autocuidados são inerentes à nossa vida cotidiana e não trazem nenhum problema a não ser para pessoas, jovens ou velhas, que tenham algum nível de dependência, por causa de incapacidades decorrentes de problemas físicos ou mentais.
Não me refiro aqui a esse tipo de autocuidados, mas ao que podemos acrescentar à nossa rotina diária para manter ou melhorar nosso estado de saúde. Em nossa visão de saúde, podemos atribuir os males que nos afligem a forças externas a nós e achar que essas forças devem ser combatidas com meios também externos, como os fármacos, por exemplo. Pensando assim, provavelmente não teremos motivação muito forte para nos autocuidar, em vista de melhorar nosso estado de saúde, a não ser tomar remédios, por exemplo.
A medicina alopática, tendência dominante de nossa cultura médica, acostumou-nos a pensar que o ser humano não está na origem de suas patologias; ele adoece porque é agredido por corpos estranhos, por agentes externos nocivos e maléficos: vírus e bactérias, o clima –muito frio, muito quente ou muito úmido-, a poluição, o tabaco, o álcool, as drogas, as gorduras, os doces, o chocolate, o ritmo de trabalho, o estresse da vida moderna, a família, a sociedade ou até a própria medicina (iatrogenias).
Convencidos disso ao longo de nossa vida, procuramos enfrentar os males que nos afligem, na maioria das vezes ingerindo fármacos que prometem resolver todos os nossos problemas, salvo, evidentemente, os que eles próprios possam criar. Cada novo fármaco que tomamos tem seus “efeitos colaterais”, que precisam ser combatidos com outros fármacos. Desta forma, vamos nos tornando fármaco-dependentes: um fármaco “puxa” o outro e assim sucessivamente até nos encontrarmos na situação de ter que engolir uma dúzia deles todos os dias (e os problemas de lidar com muitas pílulas semelhantes em horários diferentes ao longo do dia?). Está criada uma situação insolúvel, pois nenhum médico consegue prever todas as conseqüências das interações medicamentosas, digamos, de mais de três fármacos ingeridos simultaneamente. Mas ninguém parece abalar-se com isso!
Essa visão de saúde cria nas pessoas uma ansiedade por soluções que vêm de fora e que num passe de mágica resolvam todos os problemas, gerando uma incapacidade de suportar os sofrimentos, por menores que sejam, em busca de soluções mais duradouras para os desequilíbrios de saúde. Querem um alívio imediato, mesmo que o problema volte agravado logo em seguida. Cria-se um círculo vicioso na relação entre o médico e o paciente: este último é convencido pelo médico da necessidade de tomar fármacos para solucionar seus problemas de saúde e, por sua vez, de tão convencido da necessidade disso, acaba exigindo uma receita do médico (se o médico não lhe indicar um remédio, cria-se freqüentemente um vazio terapêutico que gera ansiedade em ambos).
A esse respeito, é comum as pessoas acharem os remédios muito
caros, de forma que freqüentemente clamam pela doação do estado (ou por direitos
do cidadão).
Os idosos fragilizados são culpados pelo “estouro do orçamento da saúde”
Freqüentemente, lemos artigos e ouvimos autoridades sanitárias dizendo que quanto mais idosa a pessoa mais elevado fica o volume de dinheiro de que ela necessita para o tratamento de suas enfermidades. Assim, cria-se o preconceito de que todo idoso é um enfermo que custa caro. Este preconceito deve ser repudiado por todos que, sendo ou não idosos, perceberam que a visão de saúde pode ser diferente da que está sendo mantida pela medicina alopática e que, portanto, as políticas de saúde também podem ser diferentes (e quiçá também mais baratas).
Em meu livro sobre saúde integral para idosos[1] abordo com mais detalhes essa visão de saúde que se desenvolveu, em tempos recentes, a partir da década de sessenta, no século passado, na esteira dos movimentos de contracultura, que fizeram renascer um sem-número de terapias ditas alternativas, mostrando para o mundo que não há uma única medicina (a alopática) e que também não há uma única visão de saber médico (o ocidental, que se arvora em ser o único “científico” e, portanto, o único aceitável). Considerando nosso organismo não como uma máquina mecânica, mas como um sistema vivo complexo, proponho, junto com muitos outros autores, que “saúde é um movimento de auto-organização que permite às pessoas se manterem equilibradas, podendo transcender a si mesmas para alcançar novos estágios de desenvolvimento” (o.c., p.73).
Nesse contexto conceitual, as enfermidades são apenas
sintomas que denunciam um desequilíbrio, solicitando de nosso organismo uma
reação de recomposição de um equilíbrio. Este poderá não ser necessariamente o
equilíbrio anterior à enfermidade, mas será um novo equilíbrio (podendo ser até
superior), o qual permitirá ao ser humano continuar a sua caminhada em direção a
seu destino. Está claro que a visão de saúde que vê o organismo humano como um
sistema complexo, relacionado com outros sistemas igualmente complexos, é também
uma visão holística, pois o organismo humano é considerado como um todo único
–corpo, mente, psique, espírito, em relação como o mundo- sem possibilidade de
fragmentações que reduzam a saúde meramente a algo ora físico ou mental, ora
psíquico ou espiritual, ora social.
A medicina alopática define uma série de distúrbios, geralmente de tipo degenerativo, como sendo associados à velhice. Embora isto apenas signifique que esses distúrbios aparecem, do ponto de vista estatístico, principalmente na velhice, muitos médicos e, de conseqüência, muitos de seus pacientes entendem que a velhice é a causa desses distúrbios. Se assim fosse, ao ficarmos velhos todos nós deveríamos sofrer de todos esses distúrbios.
Dessa forma, alastrou-se a crença que velhice rima com doença, com incapacidade, com restrição de movimento, com dificuldade de recuperação física, com falta de plasticidade do organismo, com fraqueza física e mental, enfim, com a antecâmara da morte, se não com ela própria.
Essa mentalidade parece absurda à primeira vista, mas é ela que orienta um grande número de pessoas a descuidar das dificuldades físicas e mentais dos idosos, por pensar que são próprias da idade e que não há muito a fazer. Quem se preocupa com a flexibilidade e a mobilidade física do idoso? Para quê? É normal um velho curvo arrastando os pés! É normal porque parou de se autocuidar, de se movimentar adequadamente e foi perdendo capacidade física e de movimento, aos poucos, até achar que não haveria mais nada a fazer.
Autocuidados são úteis em qualquer idade, inclusive e, sobretudo na velhice, quando se chega a ela com um corpo descuidado de há muito tempo.
Self-Healing educa para o autocuidado
Tudo que devemos aprender a fazer são exercícios simples de respiração e de movimentação (alongamentos, caminhadas), num processo de escuta de nosso corpo (consciência/percepção corporal) e de redescoberta de cada parte deste corpo, que, com o tempo, costuma virar um monobloco.
É gostoso descobrir na velhice que o corpo que nos parecia um estorvo pode ser o companheiro de novas descobertas, de novos desejos e de novas satisfações.
(para ulteriores informações sobre o método Self-Healing: www.self-healing.com.br)
* Mestre em Gerontologia, Psicólogo, Self-Healing Massage Practitioner/Educator - Level Two, autor do livro “Abraço afetuoso em corpo sofrido – Saúde integral para idosos”, SENAC-SP. [1] Giulio Vicini. Abraço afetuoso em corpo sofrido: saúde integral para idosos. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002, 192 p. |