A caça ao dinheiro dos aposentados Carlos Chaparro
O xis da questão 1. Truque ilusionista De vez em quando, alguém fala ou escreve sobre a escandalosa quantidade de aposentados do INSS que recebem, por mês, algo em torno de um salário mínimo, ou seja, mais ou menos R$ 300,00. Me lembro que, nos tempos de antigamente, o tema era recorrente nos discursos do líder sindical Lula – o mesmo Lula que, como presidente da República, também já algumas vezes botou fala sobre essa vertente organizada da exclusão social, em nosso país. Os números, oficiais ou oficiosos, eventualmente citados por aí, autorizam a que se trabalhe com a presunção de que esses sobreviventes do sistema constituem a parcela mais representativa dos brasileiros aposentados. Uma legião de condenados à pobreza perpétua. Dado a heróica capacidade de sofrer dos trabalhadores aposentados na faixa do salário mínimo, podemos imaginar serem eles os grandes homenageados da campanha “O melhor do Brasil é o brasileiro”. Se assim tiver sido, pobre governo e pobres aposentados, porque essa é uma campanha de enganação, feita sob medida, para que não se vislumbre nem se avalie a realidade próxima. Ao inflar a alma dos pobres com mensagens ufanistas, é como se o governo lhes dissesse: “Esqueçam a vossa pobreza”. E na emoção produzida pelas peças publicitárias está o truque ilusionista: agita-se uma frase de efeito, para que não se perceba nem se discuta a dureza injusta da vida real. Na mesma linha de ilusionismo político-social, eis que os aposentados do INSS estão agora expostos, sem defesa, ao massacre manipulador de campanhas de venda do crédito fácil, com desconto das parcelas na fonte. O INSS, ou seja, o governo, faz parte desse jogo sujo, porque o viabiliza, por meio de convênios que garantem a operação bancária, pondo os bancos a salvo de quaisquer riscos. Ao tomador do empréstimo não resta nem a possibilidade da inadimplência... Quaisquer que sejam as necessidades e circunstâncias, terá de pagar a dúvida, mês a mês. Trata-se de um despudorado incentivo ao endividamento dos pobres, em campanhas publicitárias caríssimas, que percorrem os melhores espaços e horários da televisão, com a argumentação de venda entregue aos encantos irresistíveis e à força testemunhal de pessoas públicas famosas - seres quase míticos com enorme poder de convencimento, como Hebe Camargo, Ana Maria Braga, Paulo Goulart, Nair Belo, Emerson Fitipaldi e Suzana Vieira - esta, transformada em heroína nacional pela última novela das oito. 2. Ilusão social Sob o ponto de vista econômico, pela ótica neoliberal, o esquema do dinheiro fácil é inquestionavelmente esperto. Encaixa-se com perfeição na lógica materialista do capitalismo e tem tudo para se tornar um enorme sucesso. Sucesso principalmente para os bancos, que mergulharam com guloso e justificado apetite nesse novo filé de dinheiro disponível. Os ganhos chovem também no comércio. Há dias, ouvi no rádio um desses especialistas que acompanham o movimento das vendas em São Paulo, e ele falava de indícios fortes de que o acesso ao crédito fácil já se faz sentir no aumento do consumo de bens duráveis. E o governo, não lucra – ele que, embora sem alardes, apadrinha essa verdadeira armadilha social?. Lucra, sim, politicamente, e muito, pois vê a economia aquecida, apesar da ausência de investimentos que seriam de sua obrigação. A mágica do crédito fácil serve para esconder a própria omissão do governo e a sua incapacidade de investir em projetos geradores de empregos. Ainda por cima, com o vigor da campanha publicitária promovida pelos bancos interessados, cria-se a ilusão social de que um programa desses distribui felicidade aos pobres. Com o aval do INSS. 3. Publicidade enganosa Não se pode exigir dos agentes capitalistas, em especial dos bancos, que deixem de lutar pelo lucro. Seria pedir-lhes a renúncia ao objetivo preponderante da sua própria atividade. No lucro está a essência dos mecanismos econômicos do sistema. Mas não se pode admitir, numa sociedade que se diz democrática, organizada pelas razões de valores humanísticos, que se deixem desprotegidos, à mercê de campanhas publicitárias enganosas, os segmentos mais frágeis e carentes da população. O grande objetivo das democracias, tal como as concebemos no modelo social-democrata, que serviu de matriz à Constituição brasileira de 1988, é a elaboração consistente de pontos de equilíbrio que compatibilizem a indispensabilidade da competição econômica (que no neoliberalismo chega a ser feroz) e a proteção aos direitos humanos, como razão prioritária da própria democracia. Isso se consegue com leis e códigos que imponham aos poderes e às partes em conflito o balizamento de um conceito prioritário de cidadania. Leis, nós as temos, tão boas quanto as das melhores democracias. Mas não temos a convicção social de que as leis devem ser levadas a sério. Há absurdos como este, do qual os jornais de hoje (sexta-feira, 18 de março) nos dão notícia: o Controlador-Geral da União, sr. Waldir Pires, responsável no governo pela investigação de irregularidades nos gastos públicos, está sendo convidado a devolver à Câmara Federal o apartamento funcional em que mora indevidamente, e que deveria ter sido entregue há 745 dias. Sim, leis, nós as temos. Temos, por exemplo, um avançado Código de Defesa do Consumidor, que proíbe a publicidade enganosa,definindo-a como “qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir ao erro o consumidor a respeito da natureza, característica, qualidade, quantidade, propriedade, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”. Para os efeitos do Código do Consumidor, “a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço”. O que os bancos estão fazendo é publicidade enganosa. Com a ajuda da omissão do INSS, que nada informa no sentido de elucidar os aposentados, para a tomada da decisão que mais lhes convenha, sobre a natureza, os riscos, as vantagens e desvantagens do crédito pessoal, com desconto automático na fonte. ____________________________________ |