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O enigma transgênico

Professor da UnB defende o cultivo de alimentos geneticamente
modificados como forma de combater a intoxicação por agrotóxicos.
Mas estudo do Ibama indica aumento do uso de herbicidas
nesse tipo de plantio

Samanta Sallum

Às vésperas da sanção da lei da Biossegurança, novos estudos e informações sobre o impacto dos transgênicos no meio ambiente estão para ser divulgados por especialistas em genética. As posições sobre o assunto continuam divergentes. O mais recente manifesto, a ser lançado em forma de livro no final deste mês pela editora UnB, sustenta que os transgênicos são aliados no combate à intoxicação por agrotóxicos. E que podem, sim, ser alternativa para o cultivo de alimentos mais saudáveis. O otimismo não é compartilhado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Pesquisadores da instituição fizeram levantamento sobre a relação entre o plantio de transgênicos e o consumo de agrotóxicos no país. E a conclusão, no caso da soja, é que o uso de herbicidas no Brasil aumentou 45% entre 2000 e 2003.

Com base em 25 anos de trabalho na área, o doutor em genética Cesar Koppe Grisolia defende no livro Agrotóxicos – Mutações, Câncer e Reprodução os benefícios que os transgênicos podem oferecer. O que mais impacta o meio ambiente é o agrotóxico, e não o transgênico. “O cultivo de organismos geneticamente modificados é uma alternativa para reduzir a demanda por agrotóxicos. Esses, sim, já estão comprovados como altamente nocivos à saúde e ao meio ambiente”, diz o especialista. Ele é representante do Brasil na convenção Roterdã, das Nações Unidas, que regula o comércio internacional de agrotóxicos.

Grisolia aponta como exemplo a produção de algodão, na Índia, onde os casos de contaminação por agrotóxicos diminuíram de 55% para 27% entre os lavradores nas plantações de transgênicos. “O Brasil precisa desenvolver sua biotecnologia. Não podemos ser condenados ao atraso tecnológico”, defende.

Sinal de alerta

O projeto de Lei da Biossegurança, que autorizou as pesquisas com células-tronco e também o plantio de transgênicos, foi aprovado há 10 dias pelo Câmara dos Deputados. No caso dos transgênicos, representou uma derrota para o Ministério do Meio Ambiente. O Ibama rebate as conclusões de Grisolia. Levantamento, ainda não divulgado oficialmente pelo instituto, revela que no Rio Grande do Sul, onde há a maior plantação de soja transgênica do país, o consumo de agrotóxicos aumentou 94% entre 2000 e 2003. Passou de 7,4 mil toneladas para 14,3 mil. E área de plantio aumentou apenas 35%.

Estudos do Departamento de Saúde dos Estados Unidos mostraram que o glisofato, princípio ativo do herbicida usado na soja transgênica, é também muito nocivo à saúde humana. É tóxico às células da placenta, causando nascimentos prematuros, além de ser um desregulador endócrino. “Só podemos apoiar aquela alternativa de plantio que comprovadamente seja menos nociva ao meio ambiente e ao homem. E não há comprovação, estudos gerais conclusivos sobre os transgênicos”, argumenta Rubens Onofre Nodari, o gerente de Projeto de Recursos Genéticos do Ministério do Meio Ambiente.

Ele ainda aponta pesquisa na Inglaterra, realizada em 2003, com milho, beterraba e couza. “Nestas duas últimas espécies, o resultado foi que o sistema transgênico provocou mais impacto ambiental do que o sistema convencional”, destaca Nodari.

Câncer e infertilidade

Grisolia afirma que o herbicida usado na soja, mesmo quando empregado em maior quantidade, ainda seria menos tóxico que o agrotóxico utilizado na soja convencional. O professor do Departamento de Genética e Morfologia da Unb é um ferrenho crítico aos agrotóxicos. Foi colaborador do Ibama e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na avaliação toxicológica dos agrotóxicos. No livro, que será lançado no dia 30 de março, ele apresenta efeitos como a indução de mutações, o câncer, as malformações congênitas e os distúrbios hormonais e reprodutivos.

Os agricultores que manuseiam e pulverizam as plantações estão mais expostos à contaminação, que também pode ocorrer por meio do consumo de alimentos. Os herbicidas à base de arsênico, usados nas plantações de cana-de-açúcar, podem causar câncer de bexiga, rins e pele (leia quadro). Os fungicidas (usados para matar fungos) têm efeitos nocivos sobre os hormônios masculinos, reduzindo a produção de espermatozóides. Podem causar infertilidade. E inseticidas, como os organofosforados, causam lesões no DNA, podendo provocar defeitos congênitos.

“Muitos agrotóxicos usados no Brasil já deveriam ter sido banidos”, afirma Grisolia. “Mas a força da indústria é maior que a do governo.´´ Ele não se esquiva em apoiar a aprovação da Lei de Biossegurança. “Era necessária exatamente para impor regras numa situação que estava ilegal. Nós já comemos outros tipos de produtos transgênicos, como iogurtes e queijos´´, aponta.

Gerações futuras

Os dois especialistas concordam em um ponto. Grisolia também defende um rígido controle “aos pacotes internacionais de transgênicos” e também no caso da agricultura orgânica. Nodari faz um alerta: “É preciso saber como será a convivência entre tecnologias diferentes de agricultura. Se a transgênica poderá contaminar a orgânica, por exemplo. Teremos de controlar para saber depois tipificar os alimentos. Saber o que é puro, o que tem agrotóxico ou que é transgênico. A gente tem que saber o que vai comer daqui a 10 anos, o que ficará para as gerações futuras.”

O próximo processo a ser apreciado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) é a liberação do algodão transgênico. “A empresa interessada apresenta estudos que, na minha avaliação, não são conclusivos”, lamenta Nodari. 

Mutação em laboratório

Organismos geneticamente modificados são aqueles que têm determinada característica genética alterada em laboratório. Genes de outros seres, como plantas, animais ou bactérias, transferidos para um outro organismo, irão influenciar na característica genética do receptor. Um exemplo é a soja. Originalmente, ela não é resistente a herbicidas, que são agrotóxicos usados para erradicar pragas. Com isso, em vez de servir como remédio, o próprio herbicida acabava matando a soja. Por intervenção de cientistas, implantou-se em seu código genético os genes da bactéria que é resistente ao agrotóxico. O resultado da mutação é que cada vez mais produtores estão procurando a soja transgênica para melhor aproveitamento da safra.

No entanto, ecologistas alertam que há estudos garantindo que alimentos modificados geneticamente não causam danos ao homem e ao meio ambiente. Eles entendem que esse tipo de soja — teoricamente mais resistente às pragas — ficou mais perigoso, porque estaria infectada com o agrotóxico desde o princípio

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Fonte: Correio Braziliense, reproduzido por http://www.unb.br/acs/unbcliping/cp050314-14.htm