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Caminhos para a nova espiritualidade Contra a ênfase nas conquistas materiais e no individualismo, a espiritualidade. A receita pode não ser tão simples, mas pode ser o primeiro passo para resolver a crise que se instala hoje, principalmente, entre a geração que vive na chamada meia idade, viveu a contracultura e viu seus sonhos e ideologias irem por água abaixo. Essa é uma das primeiras conclusões da pesquisa Envelhecimento e Espiritualidade, da psicanalista Teresa Creusa de Góes Monteiro Negreiros, autora de "A Nova Velhice", da Editora Revinter, que, em breve, será publicada em livro. Com o trabalho, ela pretende comprovar se a espiritualidade aumenta, de fato, com a velhice, como já sugerem alguns estudos, discorrer sobre as mudanças no modo como são encaradas a vida e a morte, as novas buscas numa sociedade imediatista, as dificuldades físicas da velhice que levam aos questionamentos da vida material. Outro ponto essencial é a distinção entre espiritualidade e religião. "Espiritualidade é saber elaborar a vida como uma dádiva, valorizar todas as dimensões do ser humano e criar significações que geram esperanças para além da morte", define Teresa. Segundo ela, ao envelhecer e acompanhar ou assistir à morte de pessoas queridas e também de ideais e ilusões, as pessoas estariam mais propensas a questionarem suas próprias existências. "Um maior contato com a finitude leva as pessoas a procurarem um sentido para a extinção". Para Teresa, a morte é um importante limite porque nos obriga a estabelecer prioridades. "Quando encaramos a morte, percebemos que não há tempo para tudo. Quem consegue elaborar isso prioriza o que é importante e não se deixa desesperar por pequenas coisas. Percebe que o todo é maior do que ele próprio e que cada um contribui com um pouco de si mesmo". Segundo ela, a geração de adultos de hoje, essa turma que está entre os 50 e os 60 anos, viveu a morte de vários sonhos coletivos nos âmbitos político, religioso, social e cultural. Com o fim das utopias, o apelo aos valores espirituais ficou mais evidente. "As pessoas que acreditavam em mudanças sociais foram obrigadas a reelaborar seus sonhos e ideais e a trilhar caminhos muito particulares, diferentes entre si e pouco explorados", afirma. Surgiram, então, novas oportunidades de reinvenção do significado da própria vida. Falar outra língua, descobrir novos prazeres, viajar, aprender, fazer novos amigos, trocar mensagens instantaneamente com pessoas de qualquer lugar do mundo, praticar atividades físicas, cuidar da natureza, fazer trabalhos voluntários, desenvolver-se profissionalmente e socialmente. Mas se os sonhos de juventude vislumbravam uma sociedade mais igualitária, essas novas possibilidades se baseiam, justamente, no consumo. Há muitas possibilidades de ocupação, mas é preciso pagar por elas. Cada um vale pelo que tem ou aparenta ter. Além disso, há as objeções físicas da velhice, como a diminuição da percepção visual, auditiva e da quantidade de hormônios. O terreno em que transita a meia idade atualmente é evidentemente arenoso e a angústia por não reconhecer o próprio papel, latente. Faltam certezas, sobram hesitações diante de quaisquer escolhas que, muitas vezes, transformam-se em medo e pânico. "O mundo passou a ser tão exigente, que além de temer a morte, o indivíduo passa também a ter medo de viver", diz Teresa. "E procura refúgios para não se sentir descartado por não conseguir se encaixar no padrão de exigência da ditadura da estética e da velocidade jovial", esclarece. Por outro lado, a diminuição das sensações pode desenvolver o lado afetivo e espiritual. "Nessa fase, percebe-se que a vida não é só feita de sensações, que existe um mundo de sentimentos, pensamentos, ideais. Na velhice, é mais difícil disfarçar o sentimento de inadequação e o vazio. Quem sabe usar o afeto, poderá fazer da crise uma solução, ao elaborar novos sentidos para a vida e unir-se a pessoas e novos ideais e deixar um legado para as próximas gerações", diz. Espiritualidade e religiosidade, no entanto, não têm o mesmo significado. E é preciso entender essa diferença para saber que rumo tomar. "Existe um grupo que procura a fé para construir uma ligação com o mundo. Outro, mais desamparado, procura a religiosidade porque teme a vida e a morte. Neste caso, a religião seria um conjunto de crenças que viria de fora para dentro. A espiritualidade tem um espectro maior, diz respeito à elaboração do indivíduo sobre o sentido de sua própria vida", explica Teresa. Segundo ela, encontrar a espiritualidade exige mais do que a aceitação passiva de idéias. Se as informações forem meramente consumidas, como é estimulado na nossa sociedade, elas atuam como objetos descartáveis. A psicanalista cita a frase do canadense Denys Arcand, diretor de um dos filmes mais emblemáticos do momento, "As Invasões Bárbaras". "As pessoas colocam o talento a serviço de vender coisas que os outros não necessitam, ou seja, fazem um mau-uso dele. O consumismo tomou o lugar da fé. Mas a minha religião é outra, fazer os melhores filmes de que sou capaz", disse o diretor, em entrevista para a revista Veja. "A espiritualidade dele é fazer filmes para que os outros possam refletir sobre ele, dialogar, compreender o próximo. É o seu legado de solidariedade, companheirismo, afeto e tolerância", explica Teresa. Os bens da espiritualidade, de acordo com Teresa, consistem, primeiramente, em reconhecer e aceitar as diferenças culturais, éticas, de ideais e de hábitos. Com esse reconhecimento, é preciso desenvolver as próprias potencialidades, o que implica num aprendizado contínuo e possível de ser transformado em doação e generosidade. Por último, é necessário ter força de vontade para não seguir impulsos imediatos e poder refletir sobre o que se deve aceitar ou mudar.
Fonte: Núcleo de Informação
do Idoso |
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