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O que há de novo nos velhos? 

Por Raquel Queiroz de Araújo Fernandes 

Para responder a essa pergunta é necessário um olhar sobre o idoso, que o desloque da sua condição 'senil-inútil', onde alguns estão instalados, acomodados à vida social, segundo sua baixa auto-estima. Ou, quando tornam-se sucatas humanas nos asilos, deixados pelos familiares, que não sabem lidar com eles. Nesse duplo acordo está implícito, de acordo com o senso comum, que a idade é um peso negativo da existência, restando à pessoa mais velha somente ser empurrada para fora do sistema de trocas sociais, ou seja, tornar-se uma excluída. Felizmente, essa mentalidade vem sendo combatida. Através de ações pioneiras como a da Unati, na UERJ, nos vários cursos que oferece à terceira idade, onde se trabalha a reinclusão dessas pessoas que têm vida o suficiente para interagirem com os outros, rompendo com o preconceito da idade.

Ora, as pessoas são o que são, independentemente da idade. Assim, não é o fato de tornarem-se mais velhas que determina a condição de serem melhores ou piores. Mas, sim a acentuação das marcas individuais, - por diversos fatores, que não nos compete discutir aqui -, que apontam para esta ou aquela tendência em particular. No entanto, o que há de comum entre todos nós é a eterna insatisfação de achar que jamais saberemos tudo o que achamos que poderíamos saber e fazer. Esse é o espírito humano. Localizar, portanto, o idoso, num nicho que o reduz a um passadista e mero recebedor das benesses oferecidas pelo estado, é assinar um atestado de incontinência mental que inviabiliza a sua participação efetiva nos processos de transformação social. As leis criadas de proteção à velhice ainda estão no estágio 'para inglês ver', e funcionam como uma entrada livre para a matinée de velhos caricaturados, estigmatizados pelas injustiças do tempo.

Hoje, fazem-se grandes festas para compensar as mazelas daqueles que ao longo dos anos foram sendo excluídos das atividades sociais, num complexo jogo de cumplicidades, como é o caso, por exemplo, das avós transformadas em babás como forma de ocupação, que não é vista como um serviço, mas uma extensão forçada do vínculo familiar marcado por culpas e dependências. Trata-se, é verdade, de uma característica da nossa cultura, advinda de uma tradição já bastante arraigada no nosso meio. Mas, este fenômeno não chega a ser uma gravidade, se considerarmos o fato do idoso estar envolvido em alguma atividade que demande dele o físico e a mente, quando cuida de um bebê ou de uma criança.

A questão que trazemos é de outra ordem, trata-se da locupletação do idoso como um remanescente, uma espécie em extinção, transformado em peça de museu ambulante, que vive com o código de leis, debaixo do braço, reclamando infantilmente por toda e qualquer coisa, que julga ser um direito seu. O comportamento da terceira idade de carteirinha beira ao absurdo. E, porque não dizer, surreal a maneira de se fazerem presentes. Há quem defenda a idéia de que à idade avançada é permitida certa excentricidade, igual a das crianças e dos artistas. As crianças, nós as repreendemos, como manda a boa educação, os artistas aplaudimos ou vaiamos de acordo com o desempenho. Mas, quando vemos um idoso passar nossa frente em uma fila, devemos ficar impassíveis, como se nada estivesse acontecendo? Ou vamos reclamar a ordem de chegada igual para todos? Acontece que os idosos não querem mais saber da fila que foi criada para eles, eles querem mesmo é furar a fila dos outros, a fila dos 'sem lei' e 'sem fila'.

Ora, idade não é uma virtude em si mesma, como qualquer pessoa sabe. (Será que sabe, mesmo? Já não estou tão certa disso. A toda hora cria-se uma nova lei salvadora de todos os erros do passado, e passamos a acreditar que a tal lei tem uma força capaz de redimir as piores perversões, sem nos darmos conta de que criamos outras ainda piores). Assim, numa sociedade que valoriza tudo às avessas, hoje, ser idoso significa ser um rebelde, um adolescente, um contestador. Isto é, uma pessoa que, de posse dos direitos instituídos na forma da lei, age sabendo que não pode ser maltratada, mas faz questão de infringir as leis básicas da convivência diária, já bastante fragilizadas. Será que é esta a grande novidade que os velhos trazem? Se for, esta é a mais velha das novidades, pois rebeldia é o que a juventude está cansada de trazer. Mas, não é com esse tipo de 'novidade', que espero responder à pergunta desse artigo.

O respeito e a imponência da idade anciã repousam em outros princípios, não está tutelada pela lei, nem tampouco espera a comiseração dos homens. Na passagem bíblica do Antigo Testamento, no livro de Josué (14:10,11), Calebe relembra quando tinha 40 anos e andava no deserto enviado por Moisés: "...e agora eis que já hoje sou de idade de oitenta e cinco anos. E ainda hoje estou tão forte como no dia que Moisés me enviou". A referência a um passado milenar mostra o sentido de permanência vital no indivíduo, que crê em si, no outro e naquilo que faz, trabalhando. Parece simples demais, e, na verdade, é. Podemos citar muitos idosos anônimos, que continuam cumprindo sua existência por acreditarem primeiramente na importância dela, apesar de sua longevidade e aparência enrugada. Exemplos não faltam mesmo na vida contemporânea, por nós tão desacreditada, citamos Fernanda Montenegro, uma idosa famosa, mas não menos ciosa de sua responsabilidade pessoal de deferência ao próximo. Na noite de autógrafos de Saramago, aqui no Rio, ela enfrentou uma fila de duas horas até chegar sua vez. Muitas pessoas tentaram tirá-la da fila, mas ela ficou, ali, entretida conversando com os demais, sem queixas, pelo simples prazer de estar. E, olhem, que ela bem que podia ter dado 'uma de artista', mas não o fez.

O ponto que queremos tocar nesta polêmica não é a abolição da lei, nem a supressão dos benefícios conquistados. É mostrar que a lei não pode dar conta das queixas, nem das mágoas do cidadão idoso adquiridas ao longo dos anos. O que a lei pode fazer, hoje, é simplesmente ampliar a atuação do idoso no contexto social através da reeducação. Ou seja, o benefício criado necessita que o seu beneficiado se intere do que está usufruindo, através da busca de informações de forma inteligente e dinâmica. Desse modo, a criação da lei de proteção aos idosos não deve colocá-los acima dos outros cidadãos, antes deve restabelecer seu imediato contato com outros indivíduos idosos ou não, numa convivência pacífica de pessoas civilizadas. Afinal, envelhecer é uma conseqüência natural de estar vivo, o que não significa necessariamente ser um excluído ou um rebelde tardio. Por isso, precisamos pensar no que há de novo em ser velho, se quisermos, de fato, sermos velhos exemplares na sabedoria de viver e de amar a vida. 

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Fonte: Polêmica 12 – Revista eletrônica. Contribuição do leitor, http://www2.uerj.br