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Isolamento social agindo na motricidade dos idosos

            Fabrício Sciammarella Barros* - fisiofabicio@yahoo.com.br

É comum vermos pessoas idosas sentirem-se sozinhas, mesmo quando estão rodeadas de parentes e/ou amigos. Delas podemos ouvir relatos sobre angústia, limitações, dores sem explicação, relatos sobre falta de atividades em suas vidas. Vivemos em uma sociedade segregacionista, onde interesses comerciais e econômicos passam a ser mais importantes do que as reais necessidades humanas.  

Os idosos, principalmente aqueles que perderam o cônjuge, companheiro ou pessoas muito próximas, tendem a manifestar tais queixas com mais intensidade. Sempre escutamos a expressão: depois que ele morreu ela se entregou. Muitos deles sofrem de carência afetiva. As pessoas mais jovens, inconscientemente, levantam uma verdadeira barreira sentimental que os idosos, em geral, não conseguem transpor. Mesmo quando estão cercados de pessoas, em casa ou em qualquer ambiente social, eles ficam à margem. Em situações corriqueiras não nos preocupamos com sua opinião. Quando o idoso se manifesta quase sempre é ignorado por todos, pois por ser velho não tem poder de decisão.

Também podemos observar que os idosos não fazem nenhuma reivindicação aos seus familiares em relação a esses problemas. Os velhos já foram jovens e tiveram o mesmo tipo de comportamento e podem reconhecer o tratamento que recebem. Somos educados assim, com uma imagem do velho frágil, doente e incapaz; com a imagem de um velho que não tem anseios e desejos; logo, não precisa de realizações. A eles reservamos um cantinho, remédios e comida. De que mais ele precisa? Ele não faz nada, mesmo.

Claro que nós, não-idosos, nos comovemos com algumas situações, porém nada fazemos para mudar, porque fomos preparados para assimilar tal realidade como parte da velhice. Às vezes, nos deparamos com pessoas surpresas: nossa,  como esse velho é mal humorado, ranzinza. Nada falta a ele, mas ele vive mal humorado. Será que nada falta a esse velho? Perguntemos a ele há quanto tempo ele não recebe o abraço de algum familiar. Mas um abraço, mesmo, e não um simples cumprimento. Um abraço com afeto, um abraço acolhedor. De tão raro, é provável que ele não se lembre da última vez em que este gesto aconteceu. Mesmo que isso ocorra esporadicamente, ele nem sente, pois está anestesiado para o sentimento. Está enclausurado em seu próprio corpo, em seus próprios sentimentos.

A privação sensorial está intimamente relacionada com as alterações corporais dos idosos. Sabemos que toda expressão corporal em forma de movimento parte de uma informação sensitiva do corpo para o sistema nervoso central para que, depois, ele desencadeie um movimento elaborado e bem executado. O contato, novos estímulos sensitivos e novas experiências sensoriais são fundamentais para que os receptores periféricos estejam sempre ativados e para que se aumente a chance de eficácia de um movimento.

Muitos depositam no fator biológico a queda da qualidade de vida dos idosos, devido às mudanças hormonais, queda do metabolismo e envelhecimento tecidual. O que é, no mínimo, uma visão contraditória. A Organização Mundial de Saúde define saúde como: bem-estar físico, mental e social e não apenas ausência de doenças. Então, a queda da qualidade de vida dos velhos não é somente resultado do efeito do tempo sobre os órgãos. Alguns problemas dos idosos não decorrem exclusivamente do envelhecimento biológico. É algo mais profundo que uma desaceleração metabólica ou diminuição hormonal. A exclusão, seja ela sensorial, social ou afetiva é, também, responsável pelas alterações corporais nos idosos.

O corpo humano não pode ser comparado a uma máquina, que perde rendimento por causa do desgaste das peças. O corpo é plástico, capaz de adaptações e quem sabe descobrir potencialidades na sua nova forma, supera as dificuldades que dela decorrem. Oliver Sacks descreve este processo em seu livro Um Antropólogo em Marte, ao contar a história do pintor daltônico.

O modelo tecnicista não deve ser levado em consideração pelos profissionais da saúde, pois se o considerarmos nunca atingiremos a cura total. O modelo cartesiano adotado pela sociedade não prevê adaptações aditivas, vê o corpo humano como uma máquina e não como algo passível de transformações fantásticas, de adaptações vantajosas ao corpo. Não leva em conta a espiritualidade, o amor e a própria satisfação dos desejos como fatores capazes de gerar transformações corporais.

É claro que não somos capazes de mudar os efeitos das alterações orgânicas, mas devemos ter o idoso como membro atuante dentro da sociedade, integrando-o a ambientes sociais. Respeitar suas vontades e desejos pode fazer com que ele se expresse de forma mais eficaz.

No momento em que ele tiver liberdade para se expressar e puder realizar os seus desejos poderá assumir uma nova postura, uma nova colocação dentro do convívio social. A frustração sempre nos traz acanhamento, medo; enquanto a satisfação nos realiza e nos leva a querer mais. Não é diferente na motricidade do corpo. Libertar o corpo de várias correntes sensoriais pode nos trazer novas situações. A melhora da auto-estima, é certo, nos devolve a vontade de viver.

O simples fato de um idoso, antes inerte e sem tarefas, passar a ajudar em pequenas coisas, pode mudar completamente a visão do mundo que ele passou a ter quando se acorrentou ao esquecimento do próprio corpo. Tarefas como por uma mesa para o café traz satisfações ligadas aos sentimentos de ser útil a um grupo social, no caso a família. A partir de um movimento simples e corriqueiro, como o de colaborar nos afazeres domésticos, uma pessoa recupera a motivação e repete o processo de desenvolvimento motor vivido quando se é um bebê. O desejo de realizar tarefas pode gerar novas conexões nervosas e através delas movimentações mais eficazes.

Acredito que o ato de ampliar e criar novas possibilidades motoras pode trazer muito mais do que a pura satisfação em locomover-se. Pode gerar sentimentos mais profundos de prazer como sentir-se, novamente, uma pessoa atuante e não apenas um corpo esperando pela morte.    

Referências

MONTEIRO, P. P. (2003). Envelhecer, Histórias, Encontros, Transformações. Belo Horizonte, Autêntica.

SACKS, O. (2001). Um Antropólogo em Marte. São Paulo, Companhia das Letras.

SIEGEL, B. (2002). Amor, Medicina e Milagres. São Paulo, Best Seller.

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* Fabrício Sciammarella Barros é fisioterapeuta e atua na Home Care Medlar, filial Campos dos Goytacazes, RJ.