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Avós e netos:
uma relação afectiva, uma
relação de afectos
Por
Liliana Sousa* -
pesquisadora
mentora
Diretamente
para
o
Portal
Resumo
Esta reflexão sobre a relação afectiva e educativa
entre avós e netos pretende identificar o conjunto de desafios que se colocam a
esses dois actores numa fase de acentuadas alterações sociais e demográficas.
Centra-se no laço avós-netos enquanto um espaço de encontro de gerações, onde se
cruzam diferentes tempos sociais, individuais e familiares. Aborda os diferentes
estilos adoptados pelos avós na relação com os netos e analisa os papéis
desempenhados pelos avós mais apreciados pelos netos. Finalmente, tenta
compreender o triângulo relacional em que pais, avós e netos se envolvem,
analisando as implicações para o desenvolvimento de laços mais ou menos
adequados com a geração mais nova.
Introdução
A
reflexão
sobre
a
relação
avós-netos remete-nos, inevitavelmente,
para as nossas
experiências:
os
nossos
avós, os
nossos
netos!
No
meu
caso
fez-me
reviver
com
intensa
saudade
as
memórias
do
meu
avô
(materno)
Delfim,
o
único
avô
com
quem
convivi: morreu aos 81
anos,
quando
eu
tinha
15
anos.
Não
conheci as
minhas
avós,
pois
ao
contrário
do
que
é
comum,
morreram
antes
dos
maridos:
a
minha
avó
materna
–
Rosa
– morreu
antes
de
eu
ter
nascido, a
minha
avó
paterna
– Olinda – morreu
quando
era
eu
pequena
(tinha
uns 5
anos).
O
meu
avô
paterno
– Luís - morreu
quando
já
tinha
20
anos,
mas
vivia
longe
e
nunca
convivi
com
ele.
As memórias dos meus avós, principalmente
do meu avô Delfim, conduziram-me a reflectir sobre a relação avós-netos em
quatro linhas: as implicações das mudanças sociais e demográficas, uma vez que
apesar de apenas terem passado uns 20 anos desde que eu deixei de poder conviver
com qualquer dos meus avós, há um conjunto de alterações que estão a reformar a
interacção avós-netos;
o espaço de encontro de gerações vivenciado entre avós
e netos, uma vez que as memórias que tenho são de uma menina pequena que se
confronta com os avós e os pais com ideias e mundos de vida diferentes,
interagindo e aprendendo em conjunto; os diferentes estilos de ser avô, pois
apesar de ter convivido com apenas um dos meus avós, a minha experiência
profissional e pessoal mostram que há várias formas de exercer os papéis de avô
e neto; o triângulo relacional avós-pais-netos, já que a relação avós-netos pode
ser vista como autónoma, mas os pais fazem sempre parte dela.
1. Mudanças sociais e
demográficas e implicações na relação avós-netos
Torna-se quase impossível reflectir sobre a relação
avós-netos sem fazer referência às mudanças sociais e demográficas que as têm
vindo a modificar e a tornar mais possíveis (Sousa, Figueiredo & Cerqueira,
2004).
Aumento da
esperança de
vida
com (in)dependência
A actual
geração
de avós é a
primeira
na
história
que
pode
esperar
ter
tempo
para
ver
os
netos
crescer
e serem
adultos.
Actualmente, a
assunção
do
papel
de
avô/avó
ocorre
em
média
entre
os 50 e os 60
anos,
o
que
possibilita
que
avós e
netos
possam
esperar
viver viver
em
comum
2 a 3
décadas,
sendo
que
a
terceira
década
ocorrerá
já
com
os
netos
adultos.
Este
maior
tempo
conjunto
pode
ocorrer
num
contexto
de
dependência
ou
independência
dos avós, daí
que
não
se possa
desejar
apenas
que
os avós cuidem dos
netos,
cada
vez
mais
poder-se-á
esperar
que
também
os
netos
cuidem dos avós.
Assim,
emerge uma
relação
de
cuidados
recíproca:
os avós cuidam (ou
ajudam a
cuidar)
dos
netos
enquanto
estes
são
mais
pequenos
e os
netos
poderão
cuidar
dos avós
quando
estes
chegarem uma
fase
da
vida
de
maior
debilidade.
Neste contexto de prolongamento da vida, verifica-se
que a actual geração de netos é a primeira que pode esperar conhecer os quatro
avós. Há poucas décadas atrás, sendo a esperança de vida mais reduzida, apenas
alguns avós resistiam mais anos, por isso o mais natural seria os netos
conhecerem um ou outro avô, mas raramente os quatro. Esta convivência cria um
conjunto de laços e desafios. Os laços novos centram-se, essencialmente, na
interacção entre avós maternos e avós paternos, que terão de construir uma
relação entre si, ainda que mediada pelo neto.
Estes
novos
laços
constituem
um
desafio
para
avós e
netos:
os avós têm de
interagir
entre
si,
complementando-se e dando
carinho
e afecto ao
seu
neto
comum;
os
netos
terão de
aprender
a
lidar
com
quatro
avós
diferentes,
adaptando-se aos
estilos
diferentes
e repartindo o
seu
tempo.
Kornhaber (1996) estudou os
aspectos
que
podem afectar as
relações
avós-avós, identificando as
seguintes:
diferentes
origens
culturais (levam a
confusão
e competição);
diferentes
níveis
económicos e
recursos
(causa
ressentimento,
especialmente,
nos
menos
favorecidos);
diferentes
origens
religiosas (gera-se competição
para
conquistar
a
preferência
do
neto);
diferentes
opiniões,
valores
e
estilos
de
vida
(cria
divisão
e,
até,
hostilidade
na
família).
O aumento da esperança de vida tende, cada vez mais, a
adicionar uma outra geração nestas relações: os bisavós. Verifica-se,
actualmente, que 20% das mulheres que morrem com 80 ou mais anos são bisavós.
Podemos esperar, cada vez mais, que os avós vejam os netos crescer e até ter
filhos, por isso a relação bisavós-bisnetos começa a emergir como potencialmente
importante. Este laço tem sido muito pouco estudado, principalmente, pela sua
raridade que, com certeza, virá a diminuir nos próximos anos.
Melhoria da
qualidade
de
vida
O
aumento
da
esperança
de
vida
tem sido,
felizmente,
acompanhado
pela
melhoria da
qualidade
de
vida.
Existem,
ainda,
muitos
avós
que
vivem
em
condições
de
pobreza
e vulnerabilidade
social,
mas
existe uma
tendência
para
que
tenham
mais
formação
académica e
melhores
rendimentos.
Esta melhoria nas
condições
de
vida
permite
que
os avós
não
tenham
que
manter
actividades de
subsistência
para
equilibrar
os
seus
rendimentos
e,
assim,
disponham de
mais
tempo
para
os
netos.
Ao
mesmo
tempo,
tendo
mais
formação
podem
proporcionar
mais
e
novas
experiências
aos
seus
netos.
De
qualquer
forma,
mesmo
os avós
com
menos
formação
e
poder
económico
sempre
encontram
alternativas
criativas
para
estar
junto
dos
netos
e
lhe
providenciarem afecto.
Verticalização das
famílias
As
famílias
estão a tornar-se
mais
verticais
devido
à
diminuição
da
taxa
de
natalidade,
mais
mulheres
que
escolhem
não
ter
filhos
e
aumento
da
longevidade,
ou
seja, co-existem várias
gerações,
cada
uma delas
com
poucos
elementos,
sendo as
mais
novas
aquelas
que
menos
membros
têm.
Como
os
casais
têm
filhos
mais
tarde,
a
diferença
de
idades
inter-geracional é
maior,
nesta sequência pode esperar-se
que
famílias
de
quatro
gerações
se tornem
cada
vez
mais
comuns,
com
maiores
diferenças
de
idade.
No
que
respeita
à
relação
avós-netos, daqui resulta a
diminuição
do
número
de
netos,
permitindo
que
os avós possam
dar
uma
atenção
mais
individualizada aos
netos.
Aliás,
é
curioso
verificar
que
antes
existiam
menos
avós
para
mais
netos,
agora
há
mais
avós
para
menos
netos.
Voltando à verticalização das
famílias, é
importante
referir
que
esta
circunstância
acarreta,
igualmente,
o
aumento
da
importância
das
relações
inter-gerações, uma
vez
que
diminuem os
colaterais,
mas
aumenta
o
número
de
gerações.
Integração das
mulheres (mães) no
mercado de
trabalho
O
aumento das
mulheres/mães
que
integram o
mercado
regular
de
emprego
tem vindo a
exigir
uma
modificação
na
implicação
dos avós na
educação
dos
netos:
por
exemplo
é
cada
vez
mais
frequente
que
os avós assumam
tarefas
como
levar
os
netos
ao infantário
ou
à
escola,
que
os levem às actividades extra-curriculares, …
Contudo,
é de
prever
que
esta
situação
sofra algumas alterações, uma
vez
que
também
os avós (avô
e avó),
cada
vez
mais,
estão inseridos no
mercado
de
trabalho
e desempenharão essa actividade
até
mais
tarde.
Por
isso,
este
recurso
aos avós poderá
estar
em
risco
e
ser
necessário
encontrar
outras
formas
de
apoio.
Aumento da mobilidade geográfica das famílias
O aumento da mobilidade geográfica das famílias tem-se efectuado,
principalmente, com a migração das gerações mais novas rumo aos meios urbanos,
onde se encontram mais e melhores oportunidades de emprego. Desta forma,
aumenta-se a distância entre avós e netos, que complexifica e distancia as
relações. De facto, o contacto regular e face-a-face é insubstituível na
construção duma relação afectiva e educativa, quando tal não ocorre ou é
esporádico, a relação torna-se mais concentrada em ocasiões específicas, como as
férias, os aniversários ou as festas.
Mais avós preferem
viver sós
Cada vez mais pessoas, de todas as idades, optam por viver sós.
Também os avós de
hoje, talvez por terem mais qualidade de vida e mais poder económico (que lhes
permite, por exemplo, pagar o apoio de que necessitam), acabam por preferir
ficar nas suas casas, mesmo que sós. Em simultâneo, verifica-se que os filhos
também têm vidas muito ocupadas que não permitem uma maior atenção aos pais.
Desta forma, favorece-se a autonomia e diminuem-se os conflitos comuns quando
avós, pais e netos coabitam. As relações são favorecidas pela autonomia, mas é
igualmente criada alguma distância.
Novas relações
familiares
As novas formas de famílias que têm emergido nas últimas décadas trazem à cena
novas relações familiares, por exemplo os divórcios e recasamentos criam novos
elementos na família, tais como, os padrastos e madrastas e, cada vez mais, os
avódrastos e bisavósdrastos. Estes novos papéis na família, pela
sua novidade, colocam a quem os exerce, assim como a quem com eles convive,
diversas dúvidas e questões.
2. Avós e netos:
espaço de encontro de gerações
A relação avós e netos é, indiscutivelmente, um espaço
de encontro de gerações. Pode ser conceptualizado com base no entrecruzar de
três eixos temporais: tempo social (história da sociedade e da comunidade),
tempo
familiar
(passagem
pelas várias
fases
do
ciclo
de
vida
familiar)
e
tempo
individual
(aspectos
do
desenvolvimento
individual).
O
tempo
social
alerta
para
que
grupos
que
nasceram e viveram
em
períodos
diferentes
diferem
em
múltiplos
aspectos
(Carter & McGoldrick, 1995),
tais
como: alteração
nos
papéis de género (por
exemplo,
as
mulheres
têm,
pela
primeira
vez
na
história,
uma
carreira
profissional);
aumento
dos
níveis
educativos;
massificação
do
acesso
a
bens
e
serviços;
diversificação
nas
atitudes
em
relação
à
família
(há
novas
formas
de
contornos
aceitáveis,
como
as
uniões
de facto, os
adultos
sozinhos).
O tempo individual reflecte o desenvolvimento de cada
pessoa, a sua idade e características próprias em termos de afectivos,
cognitivos, sociais e motores. Inclui a relação com outros sistemas
(profissional, escolar, comunitário,...), reflectindo-se nas necessidades e
prioridades que o sujeito estabelece.
O
tempo
familiar
cruza-se
com
os
outros
e tem uma
existência
própria.
As
famílias
são
reconhecidas
como
evolutivas e
em
transformação, num
processo
simultâneo
de
mudança,
desenvolvimento
e continuidade. O
ciclo
de
vida
familiar
descreve o
modo
como
as
famílias
evoluem e se transformam, providenciando
marcos
para
dividir o
relógio
familiar
em
segmentos.
Os
estádios
são
definidos
a
partir
dos
momentos
de
crise/transição,
podendo sintetizar-se
em
dois
tipos:
crise
de
acesso
(alguém
entra no
sistema)
e
crise
de desmembramento (alguém
sai) (Hoffman, 1989).
Apesar
de existirem
vários
modelos
de
estágios
apresentamos o de Carter e McGoldrick (1989) constituído
por
seis
estádios:
sair
de
casa
(entre
famílias);
junção
de
famílias
pelo
casamento
(novo
casal);
famílias
com
crianças
pequenas;
famílias
com
adolescentes;
deixar
os
filhos
sair;
famílias
no
fim
da
vida.
Nesta encruzilhada de tempos, devem considerar-se três
gerações com diferentes tempos de vida social, familiar e individual: pais, avós
e netos.
Nesta encruzilhada emergem um conjunto de vicissitudes
das relações avós-netos.
Os diferentes tempos sociais entre avós e netos
Os avós têm um presente, um passado e um futuro! Os netos têm um presente e
constróem o futuro.
Assim,
os avós constituem uma
janela
privilegiada
para
o
passado
da
família
e da
comunidade.
Não
se pode
esquecer
que
os actuais avós viveram
tempos
intensos
de
mudança.
Por
exemplo:
passaram
por
momentos
da
vida
política
que
constituíram alterações
radicais
de
estilos
de
vida
e
valores,
uma
vez
que
viveram o salazarismo, a
primavera
marcelista e o
pós
25 de
Abril;
testemunharam
progressos
da
ciência
e,
em
especial,
da
medicina
e
tecnologia,...
Desta
forma,
os avós constituem-se
como
uma
memória
viva
do
passado,
junto
deles os
netos
podem
aceder
à
história
da
história,
um
relato
vivido
e personificado dos factos e da
experiência
vivida.
Reviver
estas
vivências
com
os
netos
permite aos avós
ver
o
mundo
através
de “olhos
novos”:
por
um
lado,
algumas
experiências
são
vividas e revividas de
outra
forma
(por
exemplo,
um
avô
que
esteve na
guerra,
ao
contar
aos
netos,
provavelmente, consegue atribuir-lhe
um
significado
menos
negativo
– os
meus
netos
gostaram de
saber!);
por
outro
lado,
as
questões
e
observações
dos
netos
permitem aos avós
dar
continuidade às
experiências.
Acresce
que
os
netos
são
uma
audiência
nova
para
as
experiências
dos avós:
novos
em
idade
e
por
isso
com
outra
perspectiva
sobre
os
acontecimentos;
e
novos
porque
os avós
nunca
partilharam essas
vivências
com
eles,
desta
forma
podem
evitar
ser
repetitivos
e
obter
mais
atenção.
No entanto, estes diferentes tempos sociais entre avós
e netos acarretam, igualmente, desvantagens, sendo a mais notória centrada no
facto de os netos poderem assumir que os avós vivem no passado e são
retrógrados. Verifica-se, ainda, que avós e netos podem ter preferência por
diferentes actividades, por exemplo, os avós podem querer ler, enquanto os netos
desejam jogar computador.
Os diferentes tempos individuais entre avós e netos
Os avós vivem a
meia-idade
ou
a velhice! Os
netos
são
crianças,
adolescentes
ou
jovens
adultos!
Desta
forma
os avós vivem
um
período
de (início)
algumas
limitações
físicas
e de
maturidade,
ao
mesmo
tempo
já
foram
crianças,
adolescentes
e
jovens.
Os
netos vivem
um
período
de
elevada
competência
física
e
construção
da
maturidade,
sabem
que
serão,
um
dia,
idosos.
Neste
cruzamento
de
vivências
está
presente
a velhice,
enquanto
vivência
actual
ou
próxima
dos avós e
distante
para
os
netos.
Este
encontro
pode
constituir
uma
oportunidade
para
desenvolver
atitudes
positivas
em
relação
à velhice e ao envelhecimento.
Quando
os avós se sentem valorizados e
queridos
pelos
netos,
vão
atribuir
um
significado
mais
positivo
à velhice; ao
mesmo
tempo,
se os
netos
gostam dos avós
vão
sentir
menos
a
ameaça
da velhice
como
uma
fase
apenas
de
perda
de
competências.
Assim,
se as
relações
avós-netos
são
envoltas
em
carinho,
compreensão
e aprendizagem
mútua
permitem
que
avós e
netos
desenvolvam
atitudes
mais
positivas
em
relação
ao envelhecimento. Obviamente
que o
contrário
também
é
possível,
isto
é, uma
relação
avós-netos envolvida num
clima
de
conflito
e
desentendimento,
levará a
que
as
imagens
negativas
da velhice ganhem
relevo.
A relação com os netos é uma ocasião para os avós
quebrarem as regras de comportamento adequadas à idade. De facto, socialmente
espera-se que pessoas com determinada idade adoptem determinados
comportamentos, mas brincar com os netos e uma actividade socialmente adequada
que permite aos avós fazer algo desadequado e desejado, num contexto adequado.
Os estádios de ser avô são delimitados pelas
fases de desenvolvimento dos netos. Assim, podem identificar-se três estádios da
carreira de avô, delimitados pelas fases de desenvolvimento dos netos: crianças,
adolescente e jovens adultos. O seguinte relata mostra a perspectiva comum que
os netos têm dos avós nestas fases:
Quando era criança
o meu avô era o máximo, brincava, tinha tempo para nós, os meus pais tinham
pouca disponibilidade. Na adolescência o meu avô já não era o máximo: ele era
mais “antiquado” que os meus pais, criticava as nossas roupas, os nossos amigos,
o tempo que estávamos ao telefone. Em adulta, as minhas recordações são
positivas, totalmente positivas; voltou a ser o máximo!
Neste cruzar dos tempos individuais entre avós e netos
a principal desvantagem é a valorização de actividades diferentes, ou seja,
algum desencontro de motivações e interesses. Por exemplo, os netos ao viverem
fases de grande vigor físico poderão preferir actividades físicas (como andar de
bicicleta, jogar à bola) e os avós poderão escolher ir ao cinema.
Os
diferentes
tempos
familiares
entre
avós e
netos
Os avós já constituíram e criaram a sua família, vêem-na agora crescer e
evoluir! Os netos preparam a sua vida familiar e profissional! Neste contexto os
netos aprendem com a experiência dos avós, que lhes transmitem valores,
princípios, comportamentos e atitudes perante a vida e a família. Por seu lado,
os avós vêem o evoluir da sua família e podem compreender como as suas opções
educativas e afectivas se consolidaram em novas famílias.
Esta
experiência
pode
ser
positiva
se os avós sentem
que
criaram
bem
os
filhos,
ou
pode
ser
negativa
se entendem
que
as
suas
escolhas
se revelaram erradas e tiveram
como consequência a
menor
capacidade
dos
seus
filhos
para
organizarem as
suas
vidas.
Os avós podem
ainda
ajudar
os
filhos
e os
netos
na
evolução
das
suas
famílias,
colaborando
enquanto
fonte
de
recursos
instrumentais (por
exemplo:
levar
os
netos
à
escola),
financeiros e afectivos. Ao
nível
das
relações
avós-netos neste
contexto
é
natural
que
se evidenciem
diferentes
preocupações
e objectivos:
por
exemplo,
enquanto
os
netos
se preocupam
com
a
sua
vida
profissional,
os avós poderão
estar
mais
preocupados
em
ser
bisavós.
A convivência avós-netos pode ser benéfica para ambos
De facto, a convivência entre avós e netos pode ser benéfica para ambos,
principalmente porque avós e netos podem aproveitar uma relação que não é tão
complicada, por responsabilidades, obrigações e conflitos, como a relação
pais-filhos. Para os avós é principalmente a realização de um sonho, pois este
laço é sentido como a concretização do desejo de continuidade (sobreviver à
morte através de recordações), oferece a possibilidade de exercer uma variedade
de papéis e a oportunidade de interacções significativas e permite ver os
próprios filhos serem pais (quando os filhos assumem o papel parental de forma
percebida pelos avós como adequada é com orgulho que sentem que foram bons
pais).
Para
os
netos,
os avós representam a possibilidade de
viver uma
relação
educativa
e afectiva
diferente:
os avós têm
mais
tempo
para
brincar,
passear,
…
enquanto
os
pais
têm
pouco
tempo,
trabalham
muito
e chegam a
casa
cansados e chateados. Acresce
que os avós têm
um
potencial
de
imaginação
e
criatividade
superior,
pois
têm
mais
maturidade,
experiência
de
vida
e
disponibilidade.
3. Os
diferentes estilos de ser avô!
Contrariamente ao
papel
parental, o dos avós,
mais
do
que
estabelecido
por
normas
sociais
e
legais,
é frequentemente
construído
em
cada
contexto
familiar,
o
que
permite
entender
a
grande
variabilidade na
forma
como
o
papel
é exercido,
desde
a
completa
ausência,
até
à
substituição
mais
ou
menos
explícita
dos
pais
ausentes.
Os
avôs/avós
podem
assumir
diferentes
formas
de
desempenho
deste
papel,
Neugarten e Weinstein (1968) definiram
cinco
estilos:
formal,
divertido,
substitutivo,
autoritário
e
distante.
Os avós formais procuram comportar-se de acordo com o
que lhes parece ser o seu papel, mantendo clara a diferença em relação ao
papel parental. Desta forma, os avós separam-se da tarefa de criar o neto e não
dão aconselhamento. Nos divertidos predomina uma atitude informal e lúdica, em
que avós e netos são essencialmente colegas de brincadeira, enfatizando a mútua
satisfação. Os avós que adoptam o estilo substitutivo parental são aqueles que
tendem a assumir todas as responsabilidades educativas na ausência dos pais.
Trata-se de casos de morte, emigração ou negligência dos pais, em que os avós
(por vezes até legalmente) se tornam pais dos netos. Os autoritários
adoptam um estilo aceite pelos pais da criança, que se colocam numa posição de
subordinação face aos próprios pais. Os distantes são aqueles avós que mantêm
apenas contacto com os netos em ocasiões especiais (como aniversários,
festas,...).
A
assunção
de
um
desses
estilos
pelos
avós associa-se,
não
só
com
características
de
personalidade
e
com
a
relação
que
mantêm
com
os
filhos,
mas
também
com
o
estado
de
saúde,
a
distância
geográfica
e a
idade:
os avós
com
pouca
saúde
por
norma
são
mais
formais;
os avós
com
mais
saúde
e
mais
novos
são
mais
divertidos; os avós
que
vivem
mais
longe
tendem a
ter
o
estilo
distante.
Independentemente
do
estilo
usado, Kivnick (1982) descreve
cinco
funções
educativas dos avós:
-
Mimar, o que não é sinónimo de deseducar ou estragar os
netos. Ou seja, não é contrariar os pais e deixar os netos fazer o que os pais
não deixam, é aproveitar o tempo e a disponibilidade para realizar tarefas de
que eles gostam.
-
Promover o desenvolvimento dos netos.
-
Funcionar como fonte de sabedoria, sendo um recurso importante para
o neto.
-
Experimentar um sentimento de continuidade pessoal, sabendo que as
recordações permanecerão e que a descendência dará continuidade à família.
-
Reviver
experiências
educativas
anteriores,
o
prazer
de
reviver
as
experiências
parentais
anteriores
através
da
relação
com
os
netos.
Em
termos
práticos,
no quotidiano da
relação
os papéis desempenhados
pelos
avós
mais
apreciados
pelos
netos
são
(Kornhaber, 1996): historiador da
família
(como
um
livro
vivo
de
histórias,
dão aos
netos
uma
ligação
com
o
passado);
professor
(ensina
o
que
sabe aos
netos);
mentor
(mais
do
que
transmitir
competências,
incendeiam a
ambição
e
imaginação);
estudante
(aprendem e
são
inspirados
pelos
netos);
um
sistema
de
apoio
natural;
parceiro
(um
secreto
conspirador,
através
de
rituais
secretos
e
divertimentos
inofensivos);
génio (significa
que
os avós têm
um
poder
de
satisfazer
os
desejos
dos
netos);
herói
(alguém
com
coragem
e
força:
“o
meu
avô
é
capaz
de...”);
modelo
de
papel
(as
atitudes,
comportamentos,
opiniões,...
dos avós modelam e têm
impacto
nos
netos);
feiticeiro
(ser
um
contraponto
imaginativo
e
mágico
do quotidiano de
tarefas);
guia
espiritual
(os avós estão
mais
ligados ao
espiritual,
pois
podem
investir
menos
no quotidiano).
4. Avós, pais e netos
A relação avós-netos, apesar de ter a sua autonomia,
não pode ignorar os pais. De facto, temos um triângulo relacional em que o
ocupante de cada vértice tem uma duplicidade de papéis (figura 1).
Figura 1.
Triângulo relacional: avós, pais e netos
Neste triângulo cada um dos actores desempenha dois
papéis: os avós são igualmente pais dos pais dos netos; os pais são filhos dos
avós dos seus filhos; os netos são ainda filhos. Esta duplicidade de papéis pode
gerar confusões, por exemplo na definição de tarefas e gerar sobreposição de
funções. Neste contexto há que ter cuidado para evitar conflitos e escaladas
simétricas, os principais problemas que podem emergir são: os netos confundem o
papel de avós e pais; os avós confundem o papel de avós e pais; os pais
confundem o papel de filhos e pais.
Alguns
exemplos
de
situações
comuns,
potencialmente
conflituosas
são:
um
dos avós alia-se ao
neto,
considerando
que
os
pais
têm
atitudes
educativas
demasiado
rígidas;
um
dos
pais
alia-se ao
neto,
defendendo
que
o
avô
quer
instalar
regras
que
eles
não
acham correctas;
pais
e avós aliam-se
contra
o
neto
que
consideram tem
comportamento
desadequados.
Os avós,
assim
como
os
pais,
desempenham
um
papel
educativo
junto
dos
netos.
Na
verdade, os avós encontram-se
perante
duas
normas
contraditórias:
não
interferir
(manter
fronteiras)
na
educação
que
os
seus
filhos
dão aos
netos
e a
obrigação
de
fazer
tudo
para
ajudar
os
filhos
e os
netos.
O
papel
dos avós
junto
dos
seus
netos
ocorre
em
duas
linhas
(Gonzaga &
Cruz,
2000):
enquanto
pais
dos
pais
dos
netos
constituíram uma
força
influente das
atitudes
e
comportamentos
educativos
dos
seus
filhos
agora
adultos
e
pais;
como
avós podem actuar directamente
sobre os
netos.
Quanto
ao
papel
educativo,
propriamente
dito,
dos avós, a
investigação
tem-se
desenvolvido
sobre
(dis)cordâncias
entre
pais
e avós e
comportamentos
educativos.
Sobre as (dis)cordâncias entre pais e avós
relativamente às crenças e comportamentos educativos face às crianças, as
diferenças entre mães e avós indicam que estas últimas são mais tradicionais
(Martin et al., 1991). No entanto, em geral, há um grau de concordância
razoável nas crenças educativas, sobretudo no que respeita aos indivíduos do
sexo feminino (Cohler et al., 1971), sendo de salientar o escasso número
de estudos com figuras masculinas. As discordâncias surgem de diversos factores,
por exemplo, o facto de três gerações – avós, filhos e netos – habitarem a mesma
casa irá favorecer a tomada de posições distintas (quando vivem em casas
separadas o grau de concordância é superior) (Staples & Smith, 1954).
Quanto
aos
comportamentos
educativos
os
estudos
acentuam a
quase
inexistência
de
correlações
entre
avós e
mães
(Covell, Grusec & King, 1995).
Ou seja, os
princípios
subjacentes
são
os
mesmos,
mas
são
agidos de
diferentes
formas,
isto
deve-se,
por
um
lado,
ao
tempo
social
(evolução
nos
conhecimento
educativos),
por
outro
lado,
na
experiência
como
filhos
(o
que
quero e
não
quero) e,
ainda,
na continuidade pais-filhos.
Por
exemplo:
quando
uma
criança
faz uma
asneira,
a avó pode
querer
castigá-lo e a
mãe
falar
com
ele;
mas
ambas consideram
aquele
comportamento
incorrecto.
Nesta triangulação é
importante que se mantenham relações equilibradas:
pais e avós desempenham papéis diferentes e assumem
estatutos diferentes em relação à criança (filho/neto); vivem diferentes fases
da vida, com exigências que implicam diferentes formas de estar com os mais
novos.
Reflexões
finais
Como
vimos, os avós podem
assumir
um
papel
importante
na
vida
dos
netos,
mas
a
relação
inversa
também
se verifica. O envolvimento
emocional
na
prestação
de
cuidados
aos
netos,
numa
base
diária,
constitui,
para
muitos
avós uma
nova
motivação
para
a
vida,
até
porque
é
acompanhado
de
menor
responsabilidade
e
maior
tolerância.
Neste
contexto
encontram-se algumas
diferenças
de género, Thomas (1986) conclui
que as avós retiram
maior
satisfação
do
seu
papel
do
que
os
avôs.
Para
ambos
trata-se de
aproveitar
a
oportunidade
para
estabelecer
uma
relação
gratificante
de
carinho
e afecto,
mas
para
as avós trata-se,
ainda,
de uma
oportunidade
de exercerem
novamente
uma
série
de
competências
nas
quais
se sentem peritas.
Outra
gratificação
associada
ao
papel
de
avô
é
ver
os
próprios
filhos
serem
pais,
quando
os
filhos
assumem o
papel
parental de
forma
percebida
pelos
avós
como
adequada é
com
orgulho
que
sentem
ter
feito
um
bom
trabalho,
isto
é, sentem
que
foram
bons
pais.
A relação avós-netos enfrenta vários desafios
num futuro próximo que fomos identificando e das quais queremos salientar:
mais tempo de
vida em comum, necessidade de desenvolver relações adultos-adultos e adaptação a
novas formas de família e novos estilos de vida.
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THOMAS, J.
(1986). Gender differences satisfaction with granparenting. Psychology and
Aging, 1, 215-219.
*Liliana Sousa é coordenadora do
curso
de
Pós-Graduação
em
Geriatria
e
Gerontologia,
nível
mestrado
acadêmico,
da
Universidade
de Aveiro, Portugal. |
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