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Mar adentro
Direção: Alejandro Amenábar
Espanha - 2004
Por Marta
Kanashiro
Da janela, uma verde paisagem
traz o vento a remexer as cortinas e os desejos de liberdade, de movimento.
Daquela abertura da janela, o mundo todo se descortina a Ramon Sampedro. Já na
primeira cena do filme espanhol Mar adentro,
o espectador é colocado no lugar do protagonista, diante dessa janela e dos
desejos, sonhos e impossibilidades que se prefiguram. A imagem será usada no
decorrer do filme como recurso simbólico, uma fronteira a ser ultrapassada para
alçar belíssimos vôos oníricos aos quais o personagem nos leva e que são sua
única possibilidade de deslocamento. A câmera é o seu olhar, e também o do
espectador. O filme joga com o dentro e o fora, o colocar-se no lugar do outro e
depois ser seu observador, e com outros duplos, a vida e o movimento versus a
morte e a paralisia, para construir jogos comoventes que envolvem, seja pela
sensibilidade no tratamento do tema da eutanásia, pela fotografia ou a trilha
sonora.
Elogios ao filme Mar Adentro,
dirigido por Alejandro Amenabar, não são exagerados. A obra recebeu 14 prêmios
Goya, dois prêmios no European Film Awards, um Grande Prêmio do Júri e um Volpi
Cup de melhor ator para Javier Bardem, que interpreta o protagonista. E a lista
de premiações não acaba aí, recebeu um Oscar, um Globo de Ouro e um Independet
Spirit Award, todos os três na categoria de melhor filme estrangeiro.
Mar adentro
conta a história verídica de Ramón Sampedro, um espanhol que ficou tetraplégico
após um mergulho, e viveu 29 anos após o acidente sendo cuidado por seus
familiares e lutando pelo direito de “morrer dignamente”, como ele mesmo dizia.
Seu caso foi levado aos tribunais em 1993 para conseguir a legalidade da
eutanásia, mas o pedido foi negado. Na
carta de Sampedro destinada aos juízes, em 13 de novembro de 1996,
desdobra-se uma idéia que aparece repetidas vezes no filme: “viver é um direito,
não uma obrigação”. Assim, Ramón coloca em cheque a regulação da vida e da morte
pelo Estado e pela Igreja e acusa “a hipocrisia do Estado laico diante da moral
religiosa”.
O
debate com a igreja sobre eutanásia aparece no filme na figura de um padre,
também tetraplégico, que resolve visitar Sampedro. Como a escada para o segundo
andar, aonde se encontra o protagonista, é muito estreita, e não permite que
passe a cadeira de rodas do padre, os dois comunicam-se via um seminarista, que
corre de um lado a outro dando recados com uma expressão tensa, ansiosa e
confusa, como se estivesse prestes a submergir numa profunda crise existencial e
religiosa. Até que o padre e Sampedro passam a conversar aos berros e sem
mediação, de um lado falando-se da importância de manter a vida, de outro,
denunciando-se que a Igreja Católica não tem moral para falar de respeito à vida
depois da Inquisição.
O
personagem de oposição direta ao padre é a advogada Julia, que quer cuidar do
caso de Sampedro. Se por um lado o padre, pelo seu estado físico e representando
a Igreja, parece ter legitimidade para tentar dissuadir o protagonista da idéia
de eutanásia, a advogada Júlia, portadora de uma doença degenerativa hereditária
(Cadasil), que se caracteriza por acidentes vasculares recorrentes que conduzem
à invalidez e demência, procura trazer a discussão e a legitimação do caso para
o plano racional, individual e não dogmático. Ao mesmo tempo, Júlia também é o
canal entre o espectador e as poesias, as viagens e toda a vida de Sampedro
antes do acidente. Juntos escrevem um livro, partilham um cigarro, trocam um
beijo, afeto, impossibilidades, desejos, frustrações e a morte como finalidade.
É
nesses percursos que Mar Adentro
consegue trazer à tona os vários nós da questão. Momentos tensos, de debate,
momentos de ternura e da impossibilidade do contato físico, a dor da família de
Sampedro, mas também a do protagonista. Quando em 1998, Ramón consegue
encontrar, na figura da personagem Rosa, “alguém que realmente o ame e o ajude a
morrer”, ele deixa um
testamento concluindo o argumento da vida como obrigação, e aliando a ela um
debate que sinaliza as tensões e as questões de poder que permeiam a vida e a
morte: “Srs. jueces, negar la propiedad privada de nuestro propio ser es la más
grande de las mentiras culturales. Para una cultura que sacraliza la propiedad
privada de las cosas – entre ellas la tierra y el agua – es una aberración negar
la propiedad más privada de todas, nuestra Patria y Reino personal. Nuestro
cuerpo, vida y conciencia. Nuestro Universo".
A
questão da eutanásia destacou-se durante este início de ano não apenas pelo
sucesso de Mar Adentro e do
filme norte-americano Menina de ouro
(que trata do mesmo tema), mas também porque, enquanto os dois concorriam ao
Oscar, se desenrolava o caso da norte-americana Terri Schiavo, que morreu após
decisão judicial para que fosse suspensa a alimentação artificial que a mantinha
viva há 15 anos. A ampla discussão que se deu desde então deixou claro que, com
exceção de países como Holanda e Bélgica, que aprovaram leis de eutanásia, esta
é praticada de forma ilegal, mas recorrente, em vários hospitais do mundo. No
auge da repercussão do caso levou o já convalescente papa João Paulo II, que
sofria de uma doença degenerativa incurável, a divulgar uma comunicação para
mobilizar a opinião pública contra a eutanásia.
No
início
deste
ano,
Ramona
Maniero confessou
ter
ajudado Sampedro a
tomar
cianureto
para
morrer.
A
confissão
veio
depois
de
sete
anos
do ocorrido,
quando
o
delito
já
estava prescrito e
ela
não
poderia
mais
ser
julgada.
Ramona
era
considerada a
principal
suspeita
da
morte
de Sampedro e chegou a
ser
presa,
mas
foi
solta
por
falta
de
provas.
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Fonte:
http://www.comciencia.br/resenhas/2005/05/resenha1.htm,
0/05/2005 |
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