Morreu de
A
Extrapolando os
Voltando a minha trajetória, com o passar dos anos, já na fase adulta e após ter cursado Biblioteconomia, tive contato com uma multiplicidade de livros infantis, o que me levou a observar que o tema morte era escasso na literatura infantil brasileira. Percebia, por exemplo, que editoras espíritas abordavam a morte nos livros para crianças, de forma assustadora, mas abordavam; e que para as demais editoras, mais do que o tema sexualidade, o tema morte ainda era um tabu.
A
Na
Rosemberg (1985, p.65-66)
Creio que a morte assusta porque homens e mulheres têm medo da finitude e conseqüentemente se sentem impotentes por não conseguir tornar a vida infinita e que, no caso da literatura infantil, esse medo resulta em uma falta de tradição dos escritores (quase todos, adultos) em lidar com suas angústias em relação à morte. Isso nos parece preocupante, pois uma pessoa pode alterar diferentes situações de sua vida, seja ela: financeira, física, emocional ou espiritual, mas a morte... A morte é a única situação que não temos como evitar em nossas vidas, um dia ela acontecerá fatalmente. Portanto, não falar sobre o assunto, ou seja, “proteger” a criança, poderá dificultar o seu entendimento sobre o ciclo da vida. Logicamente que não proponho uma conversa planejada de maneira dramática, catastrófica e deprimente, acredito sim que a morte deve ser tratada espontaneamente, cotidianamente e de uma maneira até humorada. Mas o que acontece, por exemplo, é o uso dos “[...] eufemismos que ajudam a disfarçá-la [...] dentro do contexto hospitalar, o paciente não morre: expira, se perde na mesa, vai a óbito, é paciente com síndrome de JEC (Jesus está chamando)” (MARANHÃO, 1987, p.11). Pior é “fazer da morte e do morrer um tabu [pois] ao afastar as crianças das pessoas que estão morrendo ou já morreram, estamos incutindo nelas um medo desnecessário” (KÜBLER-ROSS, 1975, p.31). Destaco, porém, que isso não significa que a criança deva ser levada, ou seja, obrigada, como acontece em muitos velórios a ver e beijar um defunto para obedecer e agradar um adulto, sem desejá-lo. Pior ainda, é negar às crianças certas informações e curiosidades, certos porquês [são] omitidos e apagados. Uma certa ordem “natural”, nas coisas, nos seres, nas ações dos homens, aparece, então, quase que como resultante de um acordo entre atores: “eu faço de conta que isto não me interessa e você faz de conta que isto não lhe interessa. Deste modo, problemas existenciais fundamentais – como a vida e a morte – não são discutidos” (ROSEMBERG, 1985, p.64-65, grifo nosso). Numa sociedade em que o acesso à informação está cada vez mais facilitado, “as crianças, desde cedo, têm noções do processo de reprodução, portanto [...] quando sentem a falta de alguém que morreu logo tal ausência é justificada por uma viagem longa para um lugar maravilhoso” (CARVALHO, 1999, p.5), essa postura acaba sendo um contra-senso. Não podemos evitar o contato da criança com os problemas existenciais. Nesse sentido Bettelheim (1980, p.14-15), defende: “[...] que lhe sejam dadas sugestões em forma simbólica sobre como ela pode lidar com estas questões e crescer a salvo para a maturidade. As estórias ‘fora de perigo’ não mencionam nem a morte nem o envelhecimento [...]”. E essa ausência pode comprometer emocionalmente a criança, visto que o “encontro” com temas que lhes causam medo, é a primeira etapa para vencê-lo. Gostaria de acrescentar aqui a história de um amigo que, assim como eu, tinha um avô bem-humorado. Todas as vezes que tocava o sino da igreja anunciando a morte de alguém da comunidade, ele dizia: “que bom que estamos ouvindo o sino! Se não estivéssemos[...]” Sendo a morte encarada de maneira igual ou diferente pelas pessoas e pelas culturas, é necessário que se tenha em mente, que há tantas espécies de vida, tantas possibilidades de morte... [portanto] é fundamental discutir com a criança, de modo verdadeiro, honesto, aberto, como isso acontece e como poderia não acontecer... Compreender a morte como um fechamento natural dum ciclo, que não exclui dor, sofrimento, saudade, sentimento de perda (ABRAMOVICH, 1989, p.113). Assim, a ausência na literatura infantil, do assunto morte, pode conotar o medo, a angústia e o conflito, muitas vezes “inassumido” do adulto sobre o tema, porém é necessário que essa situação seja encarada com naturalidade e maturidade.
Os
Aqui comentaremos sobre duas obras que se referem a morte do Ser Humano. Uma com uma abordagem entristecida e outra em que a morte é abordada de maneira bem-humorada.
O
O livro é uma tentativa de explicar a morte, para sua neta Nina de 9 anos. Na página 27, por exemplo, o autor relata: “quando a porta do seu quarto foi aberta finalmente com força e ansiedade, lá dentro, Vovó dormia serena como viveu. Vovó dormia para sempre”. “Menina Nina”, é um livro triste, comovente e esperançoso, pois deixa nas páginas finais, duas possibilidades ou duas razões para não chorar: a primeira da vovó estar “dormindo pra sempre”, e a segunda de “despertar num outro mundo, feito de luz e de estrelas” (ZIRALDO, 2002, p.35-37). Segundo Marthe (2002, p.102), Ziraldo “com enorme delicadeza, procura ensinar as crianças que, por mais duro que seja encarar a morte de uma pessoa querida, a vida continua”. E que “dos dois jeitos desse adeus é que a gente inventa a vida” (ZIRALDO, 2002, p.37).
Angela
A
Esta é uma obra rara, pois a autora consegue lidar com o tema “sério” como a morte, com muita ludicidade e humor.
Pudemos
Em especial, porque “a morte pertence à própria estrutura essencial da existência [...]”. Assim que um homem começa a viver, tem idade suficiente para morrer. Não caímos de repente na morte, porém caminhamos para ela passo a passo: morremos cada dia” (HEIDEGGER apud MARANHÃO, 1987, p.69). Preparar as crianças para lidar com a morte, não significa ficar o tempo todo falando sobre o assunto. Devemos falar de tudo com as crianças, porém com bom senso e sem exageros. Finalizando: não esgotamos o assunto, pelo contrário tivemos a pretensão de que esse texto seja o estímulo para outras reflexões e investigações.
ABRAMOVICH, Fanny.
BETTELHEIM, Bruno. A
HEIDEGGER, Martin
KÜBLER-ROSS, Elisabeth.
MARANHÃO, José Luiz de Souza. O
MARTHE, Marcelo.
ROSEMBERG, Fúlvia.
ZIRALDO.
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