Doenças crônicas e o envelhecimento
Por Ana
Catarina Rodrigues Quadrante*
O mundo sofreu grandes
transformações no último século. As populações de países desenvolvidos tiveram
aumento de trinta a quarenta anos na expectativa de vida, produto de avanços
científicos e tecnológicos, bem como melhorias nas condições sanitárias. Houve
também grande urbanização. Entre 1950 e 1985 a população urbana dos países
desenvolvidos dobrou e a dos em desenvolvimento quadruplicou. Todo esse processo
levou a importantes alterações no estilo de vida das populações, refletindo-se
em sua saúde. Assim como no século XX as doenças infecto-contagiosas
necessitaram de grandes esforços para a diminuição de seu impacto, o novo século
apresenta um novo desafio: as doenças crônicas.
O termo doença crônica é usado para designar
patologias com um ponto em comum: são persistentes e necessitam de cuidados
permanentes. São exemplos freqüentemente lembrados doenças não transmissíveis
como hipertensão arterial, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares,
osteoartrose e câncer. Atualmente, entretanto, estamos frente a uma nova
realidade. Algumas doenças transmissíveis também se enquadram no conceito de
doenças crônicas, sendo HIV/AIDS o melhor exemplo.
O crescimento das condições crônicas é
vertiginoso. Atualmente são responsáveis por cerca de 60% do ônus decorrente de
todas as doenças no mundo e acredita-se que em 2020 responderão por 80% das
doenças em países em desenvolvimento. Essas mudanças causam impacto em níveis
individuais, sociais e econômicos. O indivíduo necessitará alterar hábitos de
vida e, muitas vezes, aderir a tratamentos medicamentosos, além de conviver com
a incapacidade, se o controle da patologia não tiver sucesso. Há grande impacto
econômico causado não só pelos custos diretamente relacionados ao tratamento de
saúde, como também por aqueles derivados da diminuição da força laboral devida a
óbitos, incapacidade e perda de produtividade.
Os idosos constituem a população mais acometida
pelas doenças crônicas. A incidência de doenças como hipertensão arterial,
diabetes, câncer e patologias cardiovasculares eleva-se com a idade. Esse
aumento parece dever-se a interação entre fatores genéticos predisponentes,
alterações fisiológicas do envelhecimento e fatores de risco modificáveis como
tabagismo, ingesta alcoólica excessiva, sedentarismo, consumo de alimentos não
saudáveis e obesidade.
Estudo epidemiológico realizado entre os anos de
2000 e 2001 com idosos residentes no município de São Paulo, revelou que
proporção elevada de entrevistados declarava sofrer de três ou mais doenças.
Esse fato foi mais comum entre mulheres (48%) do que entre homens (33%), podendo
refletir a maior procura feminina aos serviços de saúde e, portanto, a maior
informação a respeito de suas doenças. O estudo questionava ainda se o idoso
sabia ser portador de alguma dentre oito doenças crônicas. A hipertensão
arterial (53,3%) foi a doença mais mencionada, seguida por problemas articulares
(31,7%), cardiopatias (19,5%), diabetes (17,9%), osteoporose (14,2%), doença
pulmonar crônica (12,2%), embolia/derrame (7,2%) e tumores malignos (3,3%).
A seguir serão abordadas algumas das doenças
crônicas mais prevalentes entre os idosos e os comprometimentos por elas
causados.
Hipertensão arterial
sistêmica
A hipertensão arterial sistêmica é uma doença de
importância crescente, cuja prevalência eleva-se com o envelhecimento. Mais de
50% dos indivíduos entre 60 e 69 anos são afetados e esse número sobe para 75%
dentre aqueles com mais de 70 anos.
Ao contrário do que muitos imaginam a hipertensão
pode ser assintomática por anos, sendo diagnosticada apenas pela medida da
pressão arterial. O sintoma mais comum, a cefaléia, é bastante inespecífico.
Apesar da disponibilidade de tratamento efetivo, mais da metade dos pacientes o
abandonam em até um ano do diagnóstico. Dentre aqueles que persistem sob
cuidados médicos, apenas cerca de 50% tomam ao menos 80% das medicações
prescritas. Conseqüentemente, devido à baixa aderência ao tratamento
anti-hipertensivo, aproximadamente 75% dos pacientes com o diagnóstico de
hipertensão não atingem adequado controle da pressão arterial.
A hipertensão mal controlada pode levar ao
comprometimento de órgãos como coração, rins, olhos e sistema nervoso central,
levando a insuficiência cardíaca, insuficiência coronariana (com aumento do
risco de infarto), déficits visuais, insuficiência renal e acidentes vasculares
cerebrais. Atualmente observa-se, cada vez mais, associação entre hipertensão
arterial e quadros demenciais, incluindo a doença de Alzheimer. O tratamento
adequado diminui de forma significativa os riscos. Estudos clínicos mostraram
diminuição de 30 a 43% no risco de acidentes vasculares cerebrais e de até 15%
no risco de infartos do miocárdio.
Diabetes mellitus
O diabetes mellitus é caracterizado por elevação
anormal da concentração de glicose sanguínea. É uma doença altamente prevalente,
afetando cerca de 150 milhões de pessoas em todo o mundo. As estimativas são de
que esse número chegue a 300 milhões no ano de 2025, resultado do envelhecimento
populacional, da alimentação não saudável, obesidade e sedentarismo. Os países
em desenvolvimento contribuem com aproximadamente 75% do total de casos.
Enquanto parte dos portadores de diabetes
apresentam aumento da sede e do volume urinário, muitos outros são inicialmente
assintomáticos, tendo a doença diagnosticada apenas por exames laboratoriais.
Ocasionalmente os pacientes se apresentam já com complicações crônicas da doença
ao diagnóstico.
O diabetes tem complicações agudas, causadas por
descompensações temporárias, podendo chegar até mesmo ao estado de coma, e
complicações crônicas. Dentre as crônicas destacam-se as neuropatias que, por
alterações de sensibilidade, predispõem ao surgimento de feridas, sendo o
exemplo clássico as úlceras em pés; disfunções renais chegando à insuficiência
renal com necessidade de tratamento dialítico; alterações visuais, evoluindo à
cegueira em casos extremos e complicações cardiovasculares, aumentando o risco
de infartos do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais, principalmente quando
associado à hipertensão arterial. A insuficiência arterial periférica, assim
como as úlceras causadas pela alteração na sensibilidade podem levar à
necessidade da amputação de membros.
O objetivo do tratamento é manter os níveis
glicêmicos o mais próximos possível do normal, evitando complicações crônicas e
agudas. O tratamento inclui dieta adequada, realização de atividade física,
controle de outras doenças associadas e uso de medicações, se necessário, porém
freqüentemente é negligenciado mesmo entre os indivíduos já orientados sobre a
doença.
Depressão
Depressão é a segunda doença crônica mais comum,
superada apenas pela hipertensão arterial. Ao menos 10% dos indivíduos não
hospitalizados a apresentam, mas muitos casos não são reconhecidos ou são
tratados de forma inapropriada. Esse número é maior entre os indivíduos que
vivem em instituições de longa permanência, chegando a 30%.
O diagnóstico é feito pelos sintomas de humor
deprimido ou perda de interesse em quase todas as atividades (ou ambos) e a
presença de outros sintomas como distúrbios do sono, sentimento de inutilidade
ou culpa excessiva, fadiga ou perda de energia, diminuição da concentração,
alterações do apetite ou peso, agitação ou retardo psicomotor e pensamentos
recorrentes de morte ou suicídio. Idosos costumam ter menos sintomas de tristeza
e mais irritabilidade, ansiedade ou alterações nas habilidades funcionais.
Muitas vezes apresenta-se com perda de memória e sintomas físicos, como dores
inespecíficas.
Pacientes e seus familiares nem sempre estão
conscientes da presença de depressão. Sentindo o estigma das doenças mentais, os
idosos podem hesitar em relatar sintomas depressivos. Profissionais da saúde
também podem minimizar os sintomas, considerando-os parte do envelhecimento
normal ou conseqüência de doenças clínicas.
A depressão não adequadamente
tratada tem importantes impactos pessoais, sociais e econômicos, devidos à piora
na qualidade de vida, declínio funcional, perda de produtividade e aumento nas
taxas de mortalidade. A doença pode ser tratada com psicoterapia e uso de
medicações antidepressivas, isoladamente ou associadas, porém várias pesquisas
observam que freqüentemente os pacientes interrompem o tratamento por conta
própria, favorecendo sua recorrência.
Osteoartrose
A osteoartrose é a doença reumática mais comum e
a segunda doença que mais causa incapacidade, sendo superada apenas pelas
doenças cardiovasculares. É uma doença degenerativa e sua prevalência aumenta
com a idade. Acredita-se que de 30-40% das pessoas acima dos 65 anos apresentem
sintomas.
A doença tem evolução não letal e a falta de um
tratamento definitivo muitas vezes gera certo desinteresse por parte de muitos
médicos. Uma atitude comum entre os pacientes é a de acreditar que a doença e
seus sintomas são conseqüências inevitáveis do processo de envelhecimento. A
osteoartrose comumente é causa de dor importante, incapacidade e perda de
independência, porém o tratamento, incluindo orientações, exercícios
fisioterápicos, perda de peso, se houver sobrepeso, e uso de medicações
analgésicas e protetoras da cartilagem podem minimizar esses comprometimentos.
Neoplasias
O câncer é a segunda causa mais comum de óbito em
nosso país, atrás apenas das doenças cardiovasculares. Entretanto, muitas
neoplasias são passíveis de prevenção primária (prevenção da ocorrência) ou
secundária (detecção precoce), melhorando de forma significativa o prognóstico.
A estimativa do Instituto Nacional do Câncer para o ano de 2005 é de que o
número de casos novos na população brasileira seja de cerca de 467440. Em ordem
de ocorrência, por localização primária do câncer, teríamos: 1o: pele
(não melanoma), 2o: mama, 3o: próstata, 4o:
cólon e reto, 5o: pulmão, 6o: estômago e 7o:
colo de útero. Excluindo os cânceres de pele, as neoplasias malignas mais
freqüentes entre a população feminina são as de mama, seguidas pelas de colo de
útero. Entre a masculina são as de próstata, seguidos pelas de pulmão.
Não existem medidas específicas para a prevenção
primária dos cânceres de mama e cólon e reto, mas estudos observacionais têm
sugerido que a prevenção da obesidade, realização de exercícios físico, dietas
saudáveis e evitar o consumo de bebidas alcoólicas são medidas que reduzem os
riscos de desenvolvimento dessas neoplasias. Ambas têm as taxas de mortalidade
reduzidas com o diagnóstico precoce, havendo benefício significativo no
rastreamento. Entretanto, cerca de 50% dos tumores de mama diagnosticados no
Brasil são avançados.
O câncer de estômago tem sofrido redução nas
taxas de incidência e de mortalidade. Acredita-se que deve haver relação com a
melhor conservação de alimentos, mudanças de hábitos alimentares e diminuição na
prevalência do possível agente causal, uma bactéria chamada Helicobacter
pylori. Quanto aos tumores de colo de útero, quase 80% dos casos novos
ocorrem em países em desenvolvimento, onde em algumas regiões é o câncer mais
comum entre as mulheres.
A redução da mortalidade e da incidência é
possível através da detecção precoce de lesões precursoras com alto potencial de
malignidade ou carcinomas “in situ”, através de programas de rastreamento. O
câncer de próstata tem mortalidade relativamente baixa. O aumento das taxas de
incidência tem sido influenciado pelo diagnóstico de casos latentes em
indivíduos assintomáticos, principalmente nas regiões em que se realiza
rastreamento.
Os tumores malignos de pele, não melanomas, têm
baixa letalidade, mas podem levar a deformidades físicas e ulcerações graves,
com alto custo. Têm excelente prognóstico se tratados adequadamente e em momento
oportuno. A prevenção do câncer de pele inclui proteção contra a exposição solar
excessiva (prevenção primária) e detecção precoce através de exame dermatológico
cuidadoso (prevenção secundária).
O câncer de pulmão tem altas taxas de
mortalidade.e está profundamente ligado ao hábito de fumar, sendo este o fator
de risco mais importante. As taxas de incidência em um determinado país refletem
o consumo de cigarros. São maiores em homens, mas observa-se que as taxas entre
as mulheres têm se elevado progressivamente. O método mais efetivo na prevenção
primária é o controle do tabagismo.
Lugar
comum na luta pelo controle das doenças crônicas: prevenção
Como foi visto, o lugar comum na luta pelo
controle das doenças crônicas é a prevenção, primária ou secundária. Quando as
condições crônicas são mal gerenciadas, os encargos de saúde tornam-se
excessivos, tanto para o governo, quanto para os familiares e para a sociedade
em geral.
Os profissionais de saúde têm como missão
estimular a população a manter hábitos de vida mais saudáveis, além da
manutenção de seguimento médico regular a fim da realização de diagnóstico
precoce, caso essas condições se manifestem. O objetivo desses cuidados é não só
aumentar o tempo de vida como a sua qualidade. O maior desejo é manter
independência e autonomia de cada indivíduo pelo maior tempo possível.
Observa-se que mudanças de hábitos de vida muitas
vezes são mais difíceis de serem mantidas do que tratamentos medicamentosos,
pois envolvem padrões de comportamento alicerçados por anos. Há ainda certo
descrédito quanto a seus benefícios. Quantas e quantas vezes ouve-se, na prática
clínica, idosos dizerem: “Agora não adianta mais, doutor. Não faz mais
diferença.”, ou “Estou muito velho para mudar.”, ao serem propostas alterações
em seu estilo de vida.
Há dados objetivos na literatura médica que levam
a insistir em mudanças em qualquer altura da vida. Com a cessação do tabagismo,
por exemplo, após um ano, o risco de doenças coronarianas diminui em 50% em
relação ao prévio. Em pacientes com certo tipo de câncer de pulmão (carcinoma de
pequenas células) a sobrevida foi significativamente maior nos que abandonaram o
tabagismo. Assim sendo, sempre é tempo para mudanças e correções na trajetória,
apesar de todas as dificuldades.inerentes ao processo. É importante que todos se
conscientizem que são parte do processo saúde-doença, ao invés de se colocarem
apenas como suas vítimas.
Nos cuidados específicos ao paciente idoso, com
todas as suas particularidades e presença freqüente de várias doenças
associadas, torna-se ainda mais importante a educação em saúde e uma abordagem
holística. É importante que o idoso tenha informações sobre as doenças
existentes, prevenção e tratamento, para que possa realmente sentir o quanto ele
pode fazer por si mesmo. Os profissionais de saúde também devem contemplar o
todo, o ser bio-psico-social.
Os tratamentos propostos devem ser adequados a
cada indivíduo. Para a atenção global ao idoso tem-se cada vez mais a certeza de
que há grande benefício na atuação de equipe
s
interdisciplinares em todas as etapas do processo saúde-doença, seja na
prevenção e compensação de doenças crônicas ou reabilitação pós complicações.
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*Ana Catarina
Rodrigues Quadrante
Médica Especialista em
Clínica Médica e Geriatria e Gerontologia pela Associação Médica Brasileira
Médica Geriatra da Prefeitura do Município de São Paulo
E-mail:
acquadrante@yahoo.com.br
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