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Transição demográfica exige projetos e
programas
sociais 

Por Dóris de Moraes Cardoso* – Diretamente para o Portal

A economia clássica, cujo principal expoente foi Adam Smith, defende a idéia de que o processo econômico dirige-se naturalmente para o progresso das pessoas e das nações, como que guiado por uma mão invisível. Porém, o ritmo acelerado das mudanças e a globalização têm facilitado a vigilância sobre as empresas, que são cada vez mais cobradas a participarem de projetos que favoreçam a sociedade.

Diante dessa realidade, gerar emprego e pagar impostos não parece mais suficiente e uma nova cobrança vem sendo feita às empresas: a de que seus negócios sejam feitos de forma responsável e transparente. Essa cobrança vem de grupos ecológicos, dos próprios consumidores e da sociedade. Sendo objeto dessa vigilância, as empresas passam a adotar condutas voltadas para ações de responsabilidade social, ganhando respeito e confiabilidade por parte de quem consome seus produtos e serviços.

A prática dessas condutas começa a se esboçar na década de 70, quando quase toda a América Latina vivia sob regimes autoritários e os chamados movimentos sociais tiveram um papel fundamental no despertar do sentimento de cidadania e consciência de direitos.

Mais recentemente, o movimento nacional contra a corrupção que culminou com o impeachment do Presidente Fernando Collor; a conferência Rio 92 e a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, liderada por Herbert de Souza contribuíram definitivamente para a disseminação e o incremento dessa consciência e dessa prática. Esses movimentos que trabalhavam desconectados do Estado, portanto num cenário não-governamental, trouxeram consigo a evidência de vários desses alvos, tais como moradores de favela, sem-terra, seringueiros, mineiros, garimpeiros, indígenas, crianças em situação de rua, etc.

Em um país como o Brasil, de imensa desigualdade social, não faltam alvos que devam ser atingidos por ações dessa natureza. A essa lista de ‘atores sociais’, ou seja, sujeitos sociais com características singulares, vêm se somar as mulheres, os negros, os indígenas, os homossexuais e, a partir da década de 80, quando começaram a se aglutinar em torno da luta pela aposentadoria, também os idosos.

Ao deixarem de ser invisíveis, como aconteceu com os outros atores sociais citados, os idosos tornaram-se cada vez mais presentes como tema de debates em diversos fóruns e vêm também ocupando cada vez mais espaço na mídia. Como mais uma evidência da atenção que essa parcela da população vem conquistando, cabe lembrar que a Igreja Católica os elegeu para objeto da Campanha da Fraternidade de 2003.

Os dados demográficos são eloqüentes: segundo o IBGE, entre a década de 50 e a década de 80, a expectativa de vida dos brasileiros cresceu 20 anos. A idade média da nossa população passou nesse período de 43,2 anos para 63,4 anos. Foi estimado que entre 2000 e 2025 essa expectativa chegará a 80 anos e o país terá 15 milhões de idosos. Trata-se de um acelerado processo de envelhecimento que vem se dando não no Brasil como em outros países em desenvolvimento.

Estamos, portanto, diante de um grande desafio: conseguir soluções para os problemas que afetam a crescente população idosa, quando ainda não foram solucionados os problemas da infância e da juventude.

Apesar do aumento da população idosa, embora tenhamos que reconhecer quão complexo é o atendimento a tantos e variados problemas sociais da nossa população, o foco das empresas até o momento tem se voltado prioritariamente para os jovens.

Como ilustração, temos a IV Pesquisa Nacional sobre Responsabilidade Social nas Empresas/2003 (IRES, 2003). Ela mostra que 14% de idosos haviam sido beneficiados pelos projetos nesse ano, contra 46% da comunidade em geral e 41% de crianças. Na mesma pesquisa realizada em 2004 (idem, 2004) vê-se que a proporção do número de idosos beneficiados continua guardando uma distância considerável em relação  ao número de crianças, ou seja, foram beneficiados 76% da comunidade em geral, 56% de crianças e 24% de idosos.

Considerando a estreita relação entre empresa e sociedade, uma vez que uma produz e a outra consome, é necessário que haja disponibilidade para adaptações. Como diz Grayson, “as mudanças na demografia e sua relação com o desenvolvimento têm muita relevância para as atividades empresariais, o crescimento futuro e a lucratividade”.[1]

É possível que o fato das iniciativas de trabalho social incidirem sobre a população jovem se deva a algumas idéias de supremacia da juventude que pode ser traduzida da seguinte maneira: as crianças e os adolescentes apontam para o futuro, estando associados a uma imagem de força e beleza, ao passo que os idosos remetem à idéia de fim e de fragilidade. Por outro lado, a rapidez com que vem se processando a transição demográfica dificulta a conscientização de que nosso país está deixando de ser um país de jovens.

Para que se possa acompanhar esse processo é preciso um olhar mais atento para perceber o quanto a idéia de fim e de fragilidade se distancia dos idosos de hoje e o quanto eles lutam contra a chegada de uma velhice incapacitante e dependente. O cuidado físico ajudado pelos avanços da medicina; o investimento em atividades sociais, culturais e de lazer; e a ocupação cada vez maior dos espaços públicos são indicadores dessa transformação. Pode-se dizer que eles têm feito a sua parte para viver como sabem que são: pessoas inteiras e inseridas como cidadãs, independente da idade que  tenham.

Esses novos velhos, como estão sendo chamados, necessitam de espaços e oportunidades para viver esse novo estilo de vida e estes espaços ainda são muito restritos. Sabe-se também que sendo heterogênea, essa categoria inclui tanto os idosos ativos que lutam por permanecerem saudáveis quanto os frágeis, doentes, e em ambos os casos, aqueles desprovidos das mínimas condições para a manutenção da saúde e do bem-estar.

Ao se levar em conta a abrangente definição do Ministério da Saúde, que a define como resultante de um conjunto de fatores sociais, econômicos, políticos, culturais, ambientais, comportamentais e biológicos, fica aberta a possibilidade de variadas ações voltadas para os idosos. Essas ações podem ser de cunho educativo, informativo, assim como de desenvolvimento de novas habilidades. Todas de reconhecido valor para a promoção de saúde.

A propósito, o artigo A Inflação da Terceira Idade, publicado na Revista Conjuntura Econômica (julho,2004), chama a atenção para a diferença do valor gasto em variados itens de consumo entre os idosos e demais participantes da família. O artigo destaca as despesas coma saúde e cuidados pessoais que ocupam 15% do orçamento contra 10,4% do conjunto da família.

A finalidade desses índices é a formulação de políticas públicas que, em última análise, interessam às empresas que se preocupam em somar esforços para a melhoria das condições de vida da sociedade em geral e/ou de setores menos privilegiados dessa sociedade.

Se a expectativa de vida vem aumentando, causando uma verdadeira mudança no perfil da nossa população, e se os idosos lutam por se imporem como cidadãos com característica e história próprias, é necessário que se revise o cenário onde ele está inserido. A ele deve ser dado o seu real espaço, que não mais poderá ser o de simples coadjuvante, mas de ator, de protagonista da história atual ao lado dos outros segmentos, como o das crianças, dos jovens e dos adultos jovens.

Programas que possam aproveitar um dos maiores valores que se pode atribuir ao idoso, que é o da experiência e sabedoria acumuladas, trarão benefícios. Não não estamos acostumados com o aumento da expectativa de vida a que assistimos, como não estamos preparados para as suas conseqüências.

Tanto a iniciativa privada quanto o governo, ao intensificar a inclusão de projetos e programas sociais voltados para esses cidadãos, estarão evitando que eles se transformem num fardo a ser carregado por jovens e adultos por um período de tempo cada vez mais dilatado. A julgar pelo comportamento dos idosos de hoje, cada vez mais conscientes do seu valor e defensores da sua dignidade, essa não é uma condição desejada por eles. Tampouco interessa às gerações mais jovens

Pensar projetos voltados para a população idosa não se trata apenas de uma preocupação de prover os idosos de assistência e proteção, mas também fazer deles partícipes da construção do mundo de hoje e do futuro, mundo que, tomadas as medidas necessárias, poderá ser partilhado de igual para igual entre velhos e moços em ambiente de maior harmonia e dignidade.   

*Dóris de Moraes Cardoso - Psicóloga, com especialização em Gerontologia Social pelo Instituto Sedes Sapietiae; Mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Atualmente é Coordenadora de Projetos da Full Jazz Conunidade.


[1] Publifolha: São Paulo, 2002