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Flagrante: golpistas enganam idosos 

Por Jotabê Medeiros

Falsos agentes previdenciários credenciam pessoas com direito
a auxílio de R$ 300,00 do INSS, e embolsam 5 meses do benefício

O rio da Rua da Seqüência, no Jardim Tupi, na zona sul de São Paulo, é um canal de esgoto, um riacho azul fétido que carrega os vestígios pastosos do que um dia foi água. Ali, entre uma margem e outra, num casebre erguido sobre um precário estrado de madeira, mora a pernambucana Maria Helena dos Santos, de 65 anos, dividindo o espaço com dois filhos, um neto, um gato branco e muitos ratos.

Por ironia, a parede do fundo do casebre foi feita com um outdoor que anuncia apartamentos de quatro quartos e quatro suítes. Quem chega até ali imagina que não exista mais nada no mundo que alguém possa tirar de Maria Helena. Mas há sempre um degrau mais baixo quando se vive no abismo.

Na zona sul, para um grupo de aproveitadores conhecidos como "agentes previdenciários", "procuradores" ou "advogados", situações como a de Maria Helena significam lucro potencial. Como ela é idosa e ganha menos de um quarto do salário mínimo, está apta a requerer um tipo de ajuda da Previdência, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que hoje atende 101 mil pessoas na cidade. O valor é de um salário mínimo, R$ 300,00, e não se trata de aposentadoria: o auxílio é revisado a cada três anos.

Os "agentes" credenciam os idosos no INSS, mas cobram caro. O preço fica entre três e cinco meses iniciais do benefício. Em geral, eles mantêm em seu poder o cartão bancário com o qual o idoso deveria fazer o saque. "Suspeitamos que 90% dos benefícios sejam conseguidos por meio do agente previdenciário", diz a assistente social Miriam Valéria Tácito, que visitou 130 idosos na zona sul para a revisão do auxílio.

"Como muita gente tem idade, e não tem como vir, a gente fica com o cartão da pessoa até sair o segundo pagamento, quando dá o sinal. Aí a gente devolve a senha e o cartão certinho", disse ao Estado a funcionária Regina, que trabalha num despachante do Jardim Leila, na Estrada de Guarapiranga. "Até sair o benefício a gente pega três salários, entendeu? Mas a gente tem de dormir na fila, entendeu?"

Na última vistoria do programa, encomendada pela Prefeitura ao Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão (Cealag), que visitou 11 mil beneficiários, chegou-se a um dado preocupante: 46,3% dos casos examinados na zona sul são classificados como "urgentes", com suspeitas de fraudes, violação de direitos (negligência familiar e até cárcere privado) e apropriação indébita do benefício (em geral, depois da morte do beneficiário).

A maior parte dos casos de "suspeita de fraude" do levantamento em São Paulo, no entanto, não tem relação com o idoso em si, embora esse possa ser duplamente prejudicado (o que inclui a suspensão do seu benefício). São situações causadas pelo "atravessador" - que, às vezes, é a própria família.

O número de casos irregulares não é tão grande face à quantidade de beneficiados, acredita o secretário de Assistência e Desenvolvimento Social do Município, Floriano Pesaro. "O dado novo é de que 70% dos beneficiários foram localizados. É um avanço."

Apoio

O dinheiro do BPC destina-se a idosos e portadores de deficiência com carência extrema. Os recursos vêm do Ministério da Assistência Social, a operacionalização do benefício é feita pelo INSS e as prefeituras fiscalizam e revisam sua aplicação. É atualmente um dos maiores programas de transferência de renda do governo federal - em São Paulo, distribui R$ 30 milhões por mês. Foi criado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), em 1993.

"Muitos dos idosos vivem em situação precária, abandonados pela família e sem condições de requerer o BPC, muitas vezes porque não conseguem tirar os documentos básicos para dar entrada no INSS, como a carteira de identidade", diz Dionisia Pimenta Cardeliquio, uma das fundadoras da Associação de Moradores do Jardim Kagohara, pioneira na cidade no atendimento às pessoas idosas.

Segundo o secretário Pesaro, uma das estratégias para enfrentar os problemas é manter programas de acompanhamento do idoso e sua família. "Implantamos isso no M'Boi Mirim (na zona sul) e pretendemos ampliar para os 13 distritos mais vulneráveis."

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Fonte: O Estado de S.Paulo, de 23/06/2005