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Pilotar Aviões Além dos 60 Anos: Factores Médicos

 

Por J.A. Sousa Monteiro


Sentindo-se em plena forma física e intelectual, mas impedidos há anos atrás de continuarem a voar como pilotos profissionais de linha aérea, vários pilotos brasileiros não hesitaram em recorrer aos tribunais para verem ressarcidos os danos sofridos por uma regulamentação impeditiva após completarem 60 anos. E, após sucessivas batalhas jurídicas, os pilotos acabaram por ver reconhecido o seu direito ao trabalho. E o Estado Brasileiro associou-se a outros Estados, indo além dessa idade limite para tripular aviões comerciais, isto é, autorizando-os a transportar comercialmente passageiros e/ou carga. O limite da idade activa pode não ser igual ao da reforma.

 

O direito à liberdade de poder continuar a trabalhar é indiscutível, e, logo, não contrariável, desde que satisfeitas as exigências a que as circunstâncias específicas obriguem. Pode-se ir até ao reforço dos testes clínicos, aumentar a frequência dos exames, ou outra qualquer exigência. Mas tudo isso não poderá impedir um cidadão do inalienável direito de prosseguir uma actividade que o realize e se lhe apresente como lenitivo existencial essencial. Gostar do que se faz é um factor preponderante para o desenvolvimento emocional e económico, particular e colectivo. Mais do que a arte de saber fazer, para os pilotos conduzir um avião equivale à paixão de uma vida. Por isso, a interdição administrativa do direito ao trabalho torna-se difícil de aceitar para aqueles que se sentem com as exigíveis capacidades físicas e intelectuais para o exercício da profissão. Em Portugal, pilotos com mais de 60 anos deixam de poder transportar passageiros e cargas pagantes (aviação comercial), mas podem continuar a tripular aviões com passageiros não pagantes, seja qual fôr o seu tamanho! Para além dos aviões desportivos e de lazer.

 

Deseja-se respeito e compreensão para todas as partes, isto é, para aqueles que quando atingem a idade da reforma não pretendem continuar a voar, e estão no seu pleno direito; mas também estão no mesmo direito aqueles "teimosos" que desejam continuar a fazê-lo. E isto não deveria trazer divisionismos nem maledicências. Aliás, há até muitos pilotos que só tardiamente começaram a descontar para a Segurança Social e a quem esses cinco anos finais dariam muito jeito para aumentar a reforma futura. E também é bom para a própria Segurança Social; e, sobretudo, para as empresas de transporte aéreo, sabendo-se que há falta de comandantes experientes. O conhecimento e a experiência dos pilotos mais velhos são inestimáveis! Se o homem (piloto) está são de espírito e em boa forma, então porque razão arremessá-lo para o caixote do lixo quando é sabido que um piloto maduro até providencia, inclusivamente, treino valioso para os pilotos mais novos?

 

É óbvio que a experiência não poderá vencer a inevitável deterioração que a idade acarreta. Mas o conhecimento da saúde tem melhorado muito desde que a regra dos 60 anos foi estabelecida (apenas como recomendação) pela Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO). As pessoas estão a viver muito mais tempo, porque as ciências da saúde estão a fazer um progresso constante e regular, o que definitivamente torna a regra-limite dos 60 em algo arcaico.

 

Eu tenho conhecimento que em 1980/81, cá em Portugal, um conceituadíssimo médico especialista em Medicina Aeronáutica, internacionalmente reconhecido e galardoado, procedeu a exames médicos e psicológicos anuais aos pilotos/TAP com mais de 60 anos que, não obstante terem deixado de voar, concordaram em submeter-se a esses exames rotineiros. Exames esses, no seu dizer, tanto ou mais rigorosos que aqueles a que tinham sido submetidos antes dos 60 anos. "E a continuação do ritmo dos exames até 1984 permitiu a elaboração de um estudo, com resultados estatisticamente significativos e que foi apresentado à Convenção Anual da Aerospace Medical Association sob o título de Comparative Study of Physical and Mental Incapacities among Pilots, under and over Age 60, o qual veio a ser publicado no ano seguinte na mais conceituada revista da especialidade Aviation, Space and Envirommental Medicine (pgs 752/757) com o subtítulo de "Airline Pilots - Age Rule 60". O que mais impressionou o autor do citado "estudo, que envolveu a história médica de 438 pilotos de linha aérea (1945 até 1983), e detectou a incidência da patologia incapacitante, por grupos etários, foi verificar que as tragédias inesperadas, médicas ou outras, foram situadas antes dos 60 anos, ao passo que depois dessa idade a patologia evoluiu lenta e progressivamente, em condições perfeitamente diagnosticáveis e previsíveis". Adiante-se, ainda, que o autor refere a demonstração de outro técnico que concluiu que na General Aviation, onde não funciona a regra dos 60 anos, a taxa de acidentes aéreos é mais reduzida nos grupos etários mais elevados, acima dos 60 anos. Para concluir, o conceituado especialista que venho referindo é de opinião "que o limite dos 60 anos não pode ser baseado em factores médicos, mas pode ser fixado, por consenso das partes interessadas, em factores sócio-económico-administrativos". Ora, estes últimos factores, digo eu, nada têm a ver com capacidades ou incapacidades dos profissionais...

 

Estou em crer que tem havido falta de diálogo sereno e construtivo sobre esta questão. O que tem sobrado de emotividade tem faltado de inteligência. Se calhar ainda vamos assistir ao desejo voluntário de liberdade na ampliação da própria idade da reforma dos pilotos!

 

Mais uma vez dou este contributo a uma causa que me parece pertinente, momentosa e justa.

 

J. A. Souza Monteiro é economista, ex-comandante sénior de linha aérea

 

Fonte: Jornal Publico.PT – 05/09/2004

http://jornal.publico.pt/publico/2004/09/05/EspacoPublico/O06.html