Idosos e o direito de morrer Por Debora Diniz* O livro Os Novos Idosos Brasileiros: Muito Além dos 60? é a mais nova publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Sob a coordenação da demógrafa Ana Amélia Camarano, a obra é uma compilação de artigos de importantes especialistas brasileiros que discutem o tema sob a perspectiva das Políticas Sociais, da Demografia, da Sociologia, da Economia e da Saúde Pública. Mas, em meio a um conjunto extenso de estatísticas e dados sobre quem são, como vivem e onde estão os velhos brasileiros, o livro introduz o tema do direito de escolher o momento da morte como uma questão central ao debate sobre envelhecimento. Tradicionalmente o tema da eutanásia ou da morte digna não compôs obras sobre qualidade de vida dos idosos. O debate sobre o envelhecimento ignora o tema da morte ou, como foi dito durante a cerimônia de lançamento da obra no Rio de Janeiro, prestigia-se a velhice ignorando-se a finitude da existência. Se a morte é um fato inexorável da condição humana, a sua compreensão como um dado de realidade torna-se ainda mais concreta na velhice. É com a experiência da velhice que a morte passa a ser um fato social, seja pelo processo natural de debilitação do corpo ou pela experiência da passagem das gerações. Isso não quer dizer que os idosos pautem sua vida pela proximidade da morte. A centralidade da morte pode até ser a razão de vida de alguns velhos, mas felizmente não é a motivação existencial da grande maioria. Na relação com a morte, a principal diferença entre jovens e idosos é que os idosos são, física e socialmente, impelidos a reconhecer a morte como um dado concreto da existência humana. Raramente um jovem vai a um cemitério para o enterro de um colega de sua geração, mas o mesmo não pode ser dito de um velho. As cerimônias fúnebres, as visitas aos hospitais, o cuidado com o corpo são algumas das rotinas impostas pela velhice. Essa proximidade dos idosos com a morte suscita duas questões. A primeira, sobre como melhorar a qualidade de vida dos velhos. Grande parte das iniciativas no campo da saúde pública ou das políticas sociais tem esse objetivo. A segunda questão diz respeito à possibilidade ou não de os idosos deliberarem sobre a própria morte em situações de doenças crônicas, degenerativas, incuráveis, em que qualquer tratamento é inútil para reverter o quadro clínico. Ou seja, assim como é preciso cuidar dos anos conquistados de forma a vivê-los da melhor maneira possível, é também importante reconhecer que há situações onde não há nada a fazer a não ser reconhecer a morte como um fato. Mas reconhecer a morte como um fato no ciclo da vida não significa que as pessoas idosas em estágio terminal devam ter sua morte acelerada por imposição de terceiros. Cuidar do processo de morrer é simplesmente reconhecer a morte como um fato e, dessa maneira, assumir que as pessoas possam ter escolhas diferentes sobre como enfrentá-la. Há muitos idosos que recusam a obstinação terapêutica, isto é, a medicalização extrema e contínua da morte, em que a pessoa doente é impedida de morrer. A grande maioria dos idosos não solicita diretamente a eutanásia, mas não gostaria de ser mantido sob tratamentos intensos em situações em que não há qualquer possibilidade de mudança do quadro clínico. Não basta apenas garantir melhores condições de vida para os anos conquistados pela civilização para os idosos. É preciso também garantir que o processo de morrer seja fruto de escolhas individuais e privadas de cada pessoa. Reconhecer que todos nós somos capazes de deliberar sobre nossa própria morte e que podemos fazer escolhas sobre qual a melhor maneira de enfrentar a morte deve ser entendido como um direito fundamental: o direito de escolher como morrer. ______________________ *Debora Diniz é doutora em Antropologia, professora da Universidade de Brasília e Diretora da Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero). Fonte: Jornal de Brasília, 19/10/ 2004 |