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O idoso na mídia

 Nívea Leite* - analucia@fundecitrus.com.br

A televisão invadiu nossas vidas de tal modo que muitos pesquisadores têm se dedicado a estudar este fenômeno social recente, como o americano George Gerbner, por exemplo, que, em 1993, analisou a questão do impacto da televisão em nossa cultura, e concluiu que a repetição de imagens e mensagens que chegam, ao mesmo tempo e em diversos lugares, e a um número muito grande de pessoas, influi diretamente na socialização, ou seja, na forma como convivem pessoas e gerações. Ele, inclusive, acredita que a visão que a sociedade tem hoje do mundo da velhice é uma construção do marketing comercial.

Todas estas questões envolvendo o convívio entre as gerações e o mundo da velhice motivaram uma série de pesquisas sobre as formas como os idosos são representados na mídia, principalmente na televisão, tanto nos EUA quanto em outros países como Canadá e Grã-Bretanha.

As pesquisas realizadas nas décadas de 70 e 80 diagnosticaram basicamente dois tipos de problemas ligados aos idosos na televisão, ou seja, ênfase em características negativas e pouca representação dos mesmos, sendo que alguns autores estudaram também as implicações econômicas destes mecanismos de exclusão utilizados pelas agências de propaganda.

Representação social negativa

Muitas pesquisas constataram que as características negativas do envelhecimento eram não somente mostradas, mas também enfatizadas nos programas e comerciais de televisão dos EUA. O estudo de Northcott, por exemplo, na década de 70, concluiu que a imagem negativa da velhice na televisão era uma constante, sendo que os poucos personagens idosos sempre representavam papéis de menor importância e de menor visibilidade. A pesquisa de Swayne e Greco afunilou mais a questão na década de 80, pois mostrou casos de duplo estereótipo negativo, ou seja, o das minorias idosas na televisão.

Também na década de 80, Dail mostrou que os idosos, muito mais do que qualquer outro grupo social, eram retratados na mídia de forma desagradável e negativa, principalmente com relação às suas habilidades físicas, sua saúde, sociabilidade, personalidade e capacidade de trabalho.

Em contrapartida, os ingleses Wober e Gunter, também na década de 80, realizaram um estudo a partir da opinião pública sobre a imagem da velhice nos programas de televisão. Os 339 participantes preencheram questionários e diários de observação sobre a programação de uma semana da ITV de Londres. De acordo com os participantes, cujas respostas foram analisadas por categorias de idade, gênero, raça, e classe sócio-econômica, não havia baixa representatividade dos idosos na televisão britânica.   Eles observaram, entretanto, que a imagem da velhice era menos respeitosa nos programas de ficção (comédias e shows de ação e aventura) do que nos programas de notícias e documentários. Portanto, afirmaram estes autores, as conclusões dos americanos sobre o papel do idoso na mídia não se sustentavam integralmente na Grã Bretanha.

Minoria na publicidade

Outras pesquisas analisaram a baixa representação dos idosos nos programas e comerciais de televisão, e que ocorria devido à ênfase que este meio de comunicação sempre deu à juventude e à beleza, assim como à rapidez e ao tempo condensado.

Uma destas pesquisas, a de Gerbner e Larry Gross, sobre 10 anos de programação da TV nos EUA (1982-1992), mostrou que os americanos com 60 anos ou mais eram apenas 5.4% dos personagens, embora fossem cerca de 17% da população. Eles observaram ainda que os idosos, apesar de seu crescimento numérico, perderam importância e valor no mundo da comunicação, tornando-se quase invisíveis na televisão, embora representassem a maioria dos telespectadores.

Um outro estudo, o de Elliot, também na década de 80, mostrou que os personagens mais velhos eram 8% de uma amostra de 723 personagens. Ele evidenciou também que havia uma baixa representatividade de mulheres mais velhas em relação aos homens nos EUA.

Na mesma época, Moore e Cadeau estudaram comerciais de estações canadenses e constataram que só 2% deles utilizavam atores idosos, na maioria homens. Por outro lado, dos 4% de comerciais que mostraram as minorias, em menos de 1% apareciam as minorias idosas.

Implicações econômicas

Alguns autores, também da década de 80, ressaltaram nos seus estudos o lado econômico desta problemática. Diziam eles que, na questão dos comerciais, por exemplo, as empresas, ao ignorar os consumidores mais velhos ou perpetuar os estereótipos negativos sobre a velhice, acabavam deixando de lado um segmento do mercado com grande poder econômico.

Ken Dychtwald, por exemplo, em seu trabalho sobre os desafios e oportunidades dos idosos, salientou que a sociedade foi levada a crer na pobreza das pessoas mais velhas, o que nem sempre é verdade, porque a população mais velha dos EUA, apesar de representar, no final da década de 80, somente cerca de 25% da população, tinha renda alta e controlava uma grande quantidade de dinheiro. Além do mais, dizia ele, a sociedade também foi levada a acreditar no apego dos idosos às suas coisas, esquecendo-se da sua disposição em trocar o velho pelo novo, desde que conveniente.

A realidade dos anos 90 nos EUA

Na década de 90, Meredith Tupper realizou uma pesquisa para examinar se os problemas identificados nos anos 70 e 80, ou seja, a subrepresentação dos idosos e a imagem negativa da velhice na televisão ainda podiam ser identificados. Foram analisados 278 comerciais de uma semana de programação (60 horas), mostrados, entre 8:00 e 11:00 da noite, nas quatro maiores redes dos Estados Unidos (ABC, CBS, NBC, e Fox), em novembro de 1994.

Foram catalogados 829 personagens, 68 (8,2%) dos quais eram idosos, presentes apenas em 42 (15%) dos comerciais, sendo que somente em 6 deles os idosos interagiam com jovens, adultos e crianças. Os personagens idosos de cada um dos comerciais foram então catalogados e analisados por categorias. A analise por gênero mostrou que 39 dos 68 personagens idosos eram homens, apesar das mulheres serem maioria nos EUA em 1990. A análise por raça foi feita com base em critérios culturais, e evidenciou a imensa maioria (84%) de anglo/europeus, em detrimento de afro-americanos e outros. As análises por ênfase do personagem no comercial e por locação do mesmo, e dos produtos anunciados não revelaram, entretanto, estereótipos negativos vistos nas décadas anteriores.  

A conclusão deste estudo é que a imagem do idoso nos comerciais de televisão era menos negativa do que se pensava. O que parece ter ocorrido é que os resultados das pesquisas anteriormente efetuadas mudaram as formas da propaganda mostrar o idoso. Entretanto, concluiu a autora, é verdade que foram reduzidos os estereótipos sobre a velhice na televisão, mas reduziram-se também as oportunidades dos personagens idosos, ainda pouquíssimo presentes nas propagandas.

A realidade brasileira

No Brasil, como em outros países, estudos sobre os idosos também tem sido realizados, analisando jornais e revistas, entre outras mídias, e com enfoques mais qualitativos do que quantitativos.

O estudo de Nogueira, por exemplo, enfatizou a análise do vocabulário utilizado para designar  a velhice no jornal Folha de S. Paulo (1990-1999). A autora concluiu que o “sentido construído para a velhice no discurso jornalístico é o sentido da não velhice”, ou seja, o discurso da Folha é heterogêneo, ora enfatizando a velhice como fase de decadência, ora como fase de rejuvenescimento.

Um outro estudo recente, o de Solange Maria de Vasconcelos, lança algumas luzes sobre a questão, através de uma abordagem semiológica. Após trabalhar conceitos e caracterizações da velhice, a autora fez reflexões sobre os mitos que a sociedade tem construído e perpetuado a respeito do “velho”, e buscando os sinais destes mitos na análise do discurso publicitário das revistas Cláudia e Veja, desde a década de 1960 até a virada do milênio.

Este estudo constatou que as propagandas utilizando idosos, ou a eles se dirigindo, sempre foram muito poucas em relação ao total, oscilando entre 0,24% e 4,83%, dependendo do período e do veículo analisado. Por outro lado, o estudo da simbologia dos anúncios publicitários confirmou “a hipótese de que no início das décadas o Brasil tratava o “velho” com indiferença e só com a descoberta de um mercado de consumo ligado a este gênero é que o mesmo ganhou importância social”.

Nas décadas de 20 e 30, os idosos, quando apareciam em anúncios, eram sempre ligados a produtos farmacêuticos, o que começou a mudar, principalmente a partir das décadas de 50 e 60, e mesmo 70. Nestes períodos, os idosos já eram mostrados no meio de suas famílias, em anúncios de higiene pessoal, cosméticos, roupas, alimentos, e mesmo de instituições financeiras, mas sempre como figurantes, não como personagens principais, no máximo exercendo os seus papéis tradicionais de avós.

Nas décadas de 80 e 90, já se pôde perceber uma mudança substancial, pois os idosos começaram a ser conclamados a adquirir valores mais modernos, como participação social, segurança, auto-estima, tudo isso através da compra dos novos e revolucionários eletrodomésticos e eletroeletrônicos, assim como automóveis e serviços bancários. Esta tendência a encarar os idosos como consumidores potenciais foi mantida na virada do milênio, quando eles continuaram a ser conclamados a comprar automóveis, aparelhos de telecomunicações e de computação, entre outros.

Portanto, no Brasil, como nos EUA, as pesquisas indicam que houve mudanças nas formas como as propagandas comerciais se referem ou se dirigem aos idosos, os quais, hoje, não são mais caracterizados de formas tão negativas como já o foram no passado. Mas também aqui, como nos EUA, os idosos continuam a ser muito pouco representativos nas propagandas, se formos considerar a totalidade das mesmas.  

Leia mais:

Referências bibliográficas citadas no texto acima, e também na dissertação de mestrado de Meredith Tupper “The Representation of Elderly Persons in Primetime Television Advertising” 

Dail, P. W. (1988). Prime-time television portrayals of older adults in the context of family life. The Gerontologist, 28, 700 - 706.

Dychtwald, K. (1988). The challenges and opportunities of an aging America. Los Angeles: J. P. Tarcher.

Elliot, J. (1984). The daytime television drama portrayal of older adults.  The Gerontologist, 24, 628-633. 

Gerbner, G. (1993). Learning Productive Aging as a Social Role: The Lessons of Television, in Achieving a Productive Aging Society, Bass,  S.A., Caro, F.G., and Chen, Y.P., eds. Westport, Conn.; London: Auburn House.

Moore, T. E. & Cadeau, L. (1985). The representation of women, the elderly and minorities in Canadian television commercials. Canadian Journal of Behavioural Science, 17, 215-225.

Nogueira, C. S. (2001). Os “mais velhos” na Folha de S. Paulo: uma análise crítica do discurso jornalístico sobre a velhice. Sínteses – Revista de Pós-Graduação, 6.  297-308.

Northcott, H. (1975). Too young, too old - Aging in the world of television.  The Gerontologist, 15, 184 -186.

Swayne, L. E. & Greco, A. J. (1987).  The portrayal of older Americans in television commercials.  Journal of Advertising, 16, 47-54.

Vasconcelos, Solange Maria. (2001). O “velho” na Publicidade Brasileira. Dissertação de Mestrado, UMESP- Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.

Wober, M. & Gunter, B. (1982).  Impressions of old people on TV and in real life.  British Journal of Social Psychology, 21, 335-336.

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*Nívea Leite é Historiadora, Arqueóloga e Divulgadora Científica

Fonte: Idade Ativa – Revista Eletrônica da Terceira Idade

www.techway.com.br/techway/ revista_idoso/cultura/cultura_evlyn3.htm