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O Estatuto do Idoso em manchete

Francisca Frangiani (psicóloga)
frangiani@br.inter.net
Lucia Zani (
Assistente Social) - Pesquisadora Mentora  lucia.zani@uol.com.br
Lucila
Machado (Advogada)
lucila-machado@uol.com.br
Maria Dusolina Rovina Castro
Pereira (assistente Social)  maria_dusolina@uol.com.br
Marilene Bombana (Educação Física)
marilene.bombana@uol.com.br

Como a mídia retratou o processo de elaboração do texto do Estatuto do Idoso, os bastidores políticos e lobbies de interesses privados? Para responder a esta pergunta selecionamos algumas manchetes veiculadas por jornais e periódicos que abordaram o assunto, dando ênfase aos pontos polêmicos estampados no período crítico da aprovação, em setembro de 2003, e a entrada em vigor, em janeiro de 2004. Verificamos que o texto do Estatuto revela um conteúdo inflamável, ao estabelecer direitos a uma massa populacional crescente, que vem sendo violentada em função de inúmeros interesses.

em junho de 2001, dois anos antes de sua promulgação, a Folha Online publicou a matéria Texto do Estatuto do Idoso gera discordâncias entre autor e relator, abordando a divergência entre o Deputado Paulo Paim, autor do projeto, e o Deputado Silas Brasileiro, relator do texto. O Estatuto do Idoso foi fruto de árdua tarefa de negociação política em que reivindicações legítimas foram aprovadas e outras renunciadas a favor de algum tipo de avanço. A aprovação do texto final pelo senado deu-se em 23 de setembro de 2003 e foi anunciada pela Folha Online com a manchete Estatuto do Idoso é aprovado por unanimidade no Senado.

Na medida em que o conteúdo do Estatuto do Idoso foi se tornando conhecido, a sociedade passou a reagir diante de uma nova diretriz. Pontos polêmicos como a moradia, o transporte e a saúde desencadearam conflitos de opiniões e apontaram dificuldades para sua aplicação.

Na matéria Transporte e planos de saúde são pontos polêmicos, da Folha Online, de 27 de setembro de 2003, João Alceu Amoroso Lima, abordando os planos de saúde suplementar, revelou que a fixação do preço "em razão do risco pela idade" não é invenção do Brasil. "Não deveria ser considerado discriminação mesmo porque existem sete faixas etárias, desde 0 a 17 anos, até a última que é aplicada para pessoas com mais de 70 anos". Sobre este mesmo assunto, Arlindo de Almeida, presidente da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo), que representa 40% do mercado de planos e seguros saúde, avalia que o estatuto poderá levar ao aumento de mensalidades. Para ele a lei "vai repercutir nos planos das pessoas mais jovens porque terá de ocorrer um reequilíbrio financeiro". A matéria aborda, também, o setor de transporte que, segundo o Setpesp (Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo), não é contrário ao que diz o estatuto, porém ainda está estudando o assunto.

Recortes de entrevistas com populares divulgados na época apresentaram depoimentos como o do Sr. Alfredo Bianchi, de 69 anos: “O Estatuto é um começo; até hoje, se pensou em direitos da criança e o idoso continua desprotegido”; e o da idosa Iracema (...) “Não adianta ter estatuto se ele não for cumprido”. Na manchete, em destaque: Temor é que medida fique no papel.

Especialistas em direito também analisaram pontos importantes como o da punição aos que maltratam idosos. Na matéria de 27 de setembro de 2003, Estatuto do Idoso pode beneficiar quem maltrata os idosos, publicada pela Folha Online, o promotor de Justiça do Gaepi (Grupo de Atuação Especial de Proteção ao Idoso) de São Paulo, João Estevam da Silva, alertou que dificilmente alguém que maltrate um idoso será punido de forma rigorosa. Segundo sua declaração: "Engana-se quem pensa que a pessoa que abusar, discriminar e praticar qualquer crime contra o idoso vai ser presa. Um artigo do Estatuto do Idoso mostra que isso não vai acontecer". A denúncia do promotor aponta a necessidade do aprimoramento do texto, mesmo antes de entrar em vigor. Pontos fundamentais como a punição aos que violarem os direitos dos idosos ainda precisam ser discutidos.

Ao pesquisarmos quais os profissionais mais procurados pelos idosos, certamente estará entre eles um dos principais responsáveis pelo atendimento à saúde, o médico. No artigo Idosos devem cobrar os seus direitos, diz geriatra, publicado pela Folha Online, em setembro de 2003, o médico geriatra do Hospital das Clínicas e coordenador da área temática de Saúde do Idoso da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, Sérgio Márcio Pacheco Paschoal, coloca que: "Os próprios idosos farão com que o estatuto 'pegue' reconhecendo os seus direitos e cobrando por eles". Em seu depoimento, o médico, com a mesma confiança com que utiliza seu receituário, estimula o idoso a defender e a lutar por seus direitos.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Estatuto do Idoso no dia 1 de outubro de 2003, dia internacional do idoso, em cerimônia no Palácio do Planalto. A Folha Online publicou em manchete neste dia: Lula sanciona hoje o Estatuto do Idoso. Esta data, porém, não ficou marcada apenas por festividades. Declarações contundentes do Ministro da Saúde, Humberto Costa, também apresentadas pela Folha Online na matéria Ministro da Saúde reclama e diz que não foi consultado sobre Estatuto do Idoso, demonstravam seu desagrado a alguns pontos do documento. Analisando o fim do reajuste das mensalidades dos planos de saúde suplementar para faixas acima de 60 anos previsto no Estatuto, o ministro lembra que a lei de 1998 assegurava a quem tinha mais de 10 anos de contrato com a empresa o direito de não sofrer mais nenhuma alteração por mudança de faixa etária. Ainda, segundo ele, "o que está sendo colocado, além de ser redundante, não estabelece um prazo para que a pessoa esteja dentro do plano”, e prevê: “isso vai resultar em um custo adicional que fatalmente será rateado entre todas as pessoas mais jovens".

Em outra matéria publicada pela Folha de S. Paulo, em 2 de outubro de 2003, Ministro risco no Estatuto do Idoso, o ministro reforça a previsão de aumento para as demais faixas etárias em função da proibição de reajustes. No artigo Planos de saúde ameaçam repassar custos, editado no mesmo caderno, as empresas de saúde suplementar associadas justificam um provável aumento para os mais jovens em função do equilíbrio contábil.

Participante das discussões, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em texto publicado pela Folha de S. Paulo, 4 de outubro de 2003, promete: ANS vai adaptar plano de saúde a Estatuto. Em suas declarações, Januário Montone, diretor-presidente da agência reguladora, lembra que a legislação que antecede o Estatuto exigia que os contratos estabelecessem sete faixas etárias, de zero a 70 anos ou mais. Segundo ele: "como o estatuto diz que a partir dos 60 anos as operadoras desses planos não podem fazer aumentos discriminatórios por idade, estabelece outra lógica para os planos, o que exigirá o reexame das faixas atuais".

Após quarenta dias, a Folha Online publica em 27 de novembro a manchete Estatuto do Idoso deve aumentar faixas de reajuste de planos de saúde, onde a ANS apresenta a proposta de adequação dos planos. Nesta proposta o usuário passaria, dos atuais três reajustes, a sete até completar 49 anos, idade limite para o último permitido. O que ficou bastante claro em todas as matérias é que a questão da saúde suplementar do idoso está distante de ser solucionada por esta lei. O problema é bastante complexo tendo em vista a precariedade do atendimento público básico e os obstáculos de acesso a planos privados.

Abordando outros aspectos do Estatuto do Idoso, o Jornal do Advogado publicou, em dezembro de 2003, um artigo que analisa a lei com a seguinte manchete: Estatuto do Idoso: proteção confusa. O texto critica o documento por repetir inúmeros direitos e princípios consagrados na Constituição. Aponta, também, a falta de clareza no estabelecimento da idade que define “idoso” no Brasil, deixando em aberto, 60 ou 65 anos, conforme o caso. Conclui queembora traga avanços em matéria de proteção à velhice e tenha sido fruto de boas intenções dos nossos legisladores, de fato, o Estatuto não consegue resolver os problemas do dia-a-dia do idoso, em geral, derivados de suas parcas aposentadorias”. Finalmente em 1 de janeiro de 2004, o jornal Agora publica Estatuto do Idoso entra em vigor, relembrando que o texto permaneceu sete anos em discussão no Congresso antes de ser sancionado.

Com dificuldades operacionais, o Ministério da Saúde não conseguiu adequar-se às novas diretrizes dentro do prazo para a promulgação da lei e, no artigo Ministério da Saúde quer prazo para se adequar a estatuto, da Folha de S. Paulo, de 3 de janeiro de 2004, divulga que o governo cedeu pelo menos 90 dias ao ministério para solucionar algumas questões, como o fornecimento de órteses e próteses, o atendimento domiciliar a idosos que não podem se locomover, a criação de novos protocolos para acesso a remédios psiquiátricos, a promoção de ampla campanha de esclarecimento a profissionais de saúde, pacientes e gestores de prefeituras e Estados sobre a lista de remédios com fornecimento gratuito, bem como o aumento desta oferta e os instrumentos para ter acesso a eles, que a nova lei estabelece.

Uma das primeiras aplicações do Estatuto, a redução da idade para a concessão do amparo assistencial ao idoso, foi relatada pela Folha Online, de 5 de janeiro de 2004, na matéria Estatuto reduz idade para pagar benefício a idoso de baixa renda. O benefício concedido pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), amplia a abrangência para idosos a partir de 65 anos e não somente aos maiores de 67 anos. Assim como este, outros desdobramentos da nova lei foram manchetes.

O jornal O Estado de S. Paulo, de 9 janeiro de 2004, publicou: Estatuto baixa IR para quem acolher idosos, em que chama a atenção para as mudanças no recolhimento do imposto de renda, para pessoas que acolherem idosos em situação de risco. Mesmo necessitando de regulamentação, prevê-se que o benefício poderá acontecer para o cálculo do exercício 2005. O senador Paulo Paim recomendou: “O ideal é que as pessoas guardem os comprovantes”.

Outro ponto abordado está estampado na matéria Estatuto do idoso fixa pena para maus-tratos, de 5 de janeiro de 2004, do jornal Folha de S. Paulo. A partir de sua promulgação passa a ser imputável aquele que "desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa idosa, por qualquer motivo", e determina que, se o idoso maltratado está sob os cuidados da pessoa, a pena aumenta em um terço. Quando os maus-tratos resultam em morte, aumenta para até 12 anos de prisão.

A revista dos tribunais, RT Informa, em sua edição bimestral, janeiro/fevereiro de 2004, abordou o tema Estatuto do Idoso, trazendo em sua capa e em artigo interno uma avaliação da lei. Segundo a revista, “embora não deixem de reconhecer as dificuldades em implementá-lo, especialistas apontam novo ordenamento como importante marco jurídico na proteção do idoso”.

O último texto selecionado foi o do Jornal da Terceira Idade, fevereiro de 2004, que traz a seguinte manchete: O Estatuto do Idoso passa a vigorar em todo país, mas ainda existem muitas dúvidas sobre a aplicação da nova lei, e de certa forma resume a discussão sobre o assunto. Apesar dos inegáveis benefícios que trará aos idosos, o texto alerta para a falta de informação que, sem dúvida, será um entrave à credibilidade do documento.

Concluímos com esta pequena seleção de artigos, que a promoção de debates, reportagens, programas de TV e rádio, textos, matérias, tudo o que a mídia puder retratar sobre o Estatuto colaborará para mantê-lo efervescente e assim contribuirá para sua efetiva aplicação.

São Paulo, maio de 2004