Compuctador:
projeto de Jornal na Profª Dra. Vitória Kachar[1] - pesquisadora mentora
Do início
Uma história que se iniciou em janeiro de 1998, com uma proposta de curso de Introdução à Informática para a Universidade Aberta à Maturidade da PUC/SP. Foi bem aceito pela coordenação e muito procurado pelos alunos e alunas (em sua grande maioria, mulheres). Foram criadas 6 turmas com o objetivo de propiciar ao idoso a apropriação da linguagem tecnológica e autonomia para explorar os recursos disponíveis no computador, desmistificando a máquina e fazendo com que se descubra capaz.
Além do objetivo de promover o domínio sobre o computador, havia desde começo, o desejo de criar um jornal que fosse dos alunos. Um desafio conquistado.
O jornal Compuctador, cujo o nome faz referência ao curso e à PUC que nos abriga, tem sido uma experiência muito gratificante para todos, e principalmente para o grupo que se constituiu nesses 6 anos. Uma equipe formada por alunas, envolvidas e empenhadas na construção coletiva de um espaço de voz e vez para os aprendizes na maturidade.
Metas e Alcances
Dentre os objetivos na constituição deste projeto, podemos dizer que alguns foram atingidos: promover os alunos na apropriação da nova linguagem tecnológica e desenvolver a autonomia na utilização básica do computador em situações pessoais e profissionais, gerando inclusão na sociedade atual. Além do domínio operacional do computador, geralmente finalidade única nos cursos de informática, procurou-se promover o aspecto intelectual através da criação de textos escritos diversos, como poesias, contos, crônicas e memórias no resgate de histórias passadas. Estas produções possibilitaram a criação do jornal Compuctador, que retrata a imagem do curso e do perfil do aluno, com as perspectivas e horizontes de vida abertos pela Universidade Aberta à Maturidade. Ao ativar uma reflexão do universo interior, promove-se a transformação subjetiva de olhares e comportamentos diante da vida, aumentando a auto-estima do aluno, no reconhecimento público de sua experiência construída no trajeto vivido. Padrões discriminativos a respeito do envelhecimento são reavaliados e apresenta-se o universo cultural no resgate de valores e princípios importantes para a reflexão de todos os indivíduos. Segundo Kehl a nossa sociedade desvaloriza a experiência, o que de certa forma, retira o sentido da vida: Sobretudo numa cultura plástica e veloz como a contemporânea, pouco podemos ensinar aos outros partindo da nossa experiência. No máximo, que a alteridade existe. Mas a experiência, assim como a memória, produz consistência subjetiva. Eu sou o que vivi. Descartado o passado, em nome de uma eterna juventude, produz-se um vazio difícil de suportar. (Kehl, 2000:1) Portanto, o jornal Compuctador tem também como objetivo identificar e valorizar qualidades na maturidade, que possam ser um referencial para os pares e os mais jovens. Estratégias de ensino e aprendizagem e encaminhamentos O curso (optativo) de Introdução à Informática acontece uma vez por semana (1h e 30 min), durante dois semestres, módulos I e II, com direito a mais dois módulos avançados. Os seguintes programas são trabalhados: Windows, editor de desenhos e o processador de textos, programas de navegação e comunicação na Internet. O editor de desenho é o primeiro, para adquirir o domínio sobre o mouse e se familiarizar com a linguagem dos ícones e menus. Depois, algumas informações e noções sobre o Windows. No processador, os alunos são instigados a criar seus próprios textos a partir de leituras de Lya Luft, Rubem Alves, Mário Quintana, Leonardo Boff entre outros. No exercício de escrever, articulam pensamentos e refletem sobre a vida, lendo e trocando entre eles diferentes visões e emoções. Na internet, os aprendizes fazem pesquisas sobre os mais variados assuntos de interesse, principalmente, sobre aqueles que tiveram nas aulas na Universidade Aberta. Cada um faz cadastro de endereço eletrônico e troca e-mail entre colegas e amigos, parentes distantes, filhos, netos e sobrinhos. O ambiente é de cooperação e socialização das descobertas, pois todos estão aprendendo e ensinando. Respeitam-se o tempo e o ritmo de cada um e suas singularidades. O aprender acontece por meio do fazer e do compreender a nova linguagem tecnológica. As aulas seguem uma graduação de dificuldades, numa seqüência de atividades que respeitam o grau de complexidade do domínio de cada recurso e da desenvoltura de cada tarefa. Começamos pelo domínio da coordenação (viso-motora) do mouse no editor de desenho, primeiro instrumento de interação com a máquina, porém, o que cria mais constrangimento inicial. Depois, o teclado e as teclas de função são introduzidos paulatinamente; na medida em que os desafiados são superados, novos são lançados. Procura-se trabalhar na repetição, ativando a fixação e a memorização, mas sempre gerando a compreensão de cada atividade feita. O ambiente de aprendizagem privilegia a descoberta e o desenvolvimento da autonomia, mas isso só é possível de acontecer respeitando o tempo de cada um. Essas atividades são desenvolvidas principalmente no processador de textos, onde o aluno escreve e, às vezes, reescreve seu texto, criação sua. Para a produção do jornal, conta-se com uma equipe de 7 alunas, que se encontram semanalmente para escrever, ler, digitar, analisar, selecionar os textos que recebem dos alunos do curso de Informática, como dos outros da Universidade Aberta. Cada membro desse grupo tem uma função específica, que atende a cada seção do Jornal e sua necessidade de organização de todos os arquivos e leitura das produções para análise prévia antes da inclusão em algum número. A produção do caça-palavras segue critérios de qualidade que é fornecer alguma informação em torno de um tema, por exemplo: nome de ruas de São Paulo com nome de mulheres, relatando a história de seu surgimento. Culinária - que remete à história de certos pratos e comidas, subvertendo a idéia inicial de apresentação de receitas. Gente notável, entrevistas com pessoas da Universidade Aberta ou não etc. Além destas, disciplinas e eventos no período, resenhas de livros e a de crônicas, contos e poesias. Para a correção dos textos temos uma professora de português que é colaboradora do Jornal Compuctador e um técnico responsável pela diagramação. Contamos com o apoio financeiro da Editora Cortez na impressão dos 4 números anuais, cada qual com 1.500 exemplares, editados bimestralmente durante o período letivo da Universidade Aberta. Conquistas e Realizações O jornal Compuctador está no número 23 e tem 6 anos de existência; ele também está disponível no site da PUC: http://cogeae.pucsp.br/compuctador. Tem sido um espaço de voz e de vez para os alunos da Universidade Aberta, produzido pelos próprios alunos e com grande parte das criações dos mesmos. Os alunos sentem-se muito gratificados e reconhecidos com a publicação de seus escritos. Segue um exemplo de poesia feita por uma aluna, que retrata as transformações subjetivas no pensar sobre a vida. Repensando[2] Quando a bruma densa da idade assusta, Quando o tempo avança até que nos alcança, Quando as forças fracas chegam a limitar, Dando a impressão de algo por acabar,
Volto para dentro do meu eu aflito Nos conflitos íntimos do repensar, E pensando penso que o maior prazer, É poder viver sem muito esperar.
Na vivência longa de uma vida intensa, Percebo então de tanto repensar, Que o inacabado existe e é para ficar, Pois por causa dele vou me desdobrar.
Vamos para frente, diz-me a consciência, Eis que a vida é bela e o medo há de passar, Pois só tem idade aquele que viveu, E feliz daquele que jamais morreu.
Muitos estereótipos a respeito do envelhecer têm sido descontruídos, evidenciando a riqueza de cada momento da vida, lançando uma nova imagem do idoso: ativo intelectualmente, produtivo, com potencial de vida, carregado de sonhos e desejos. O preconceito de que o idoso não aprende, não cria e não produz passou a ser revisto. O jornal tem sido um veículo para a reflexão sobre o envelhecimento e as sutilezas de cada época e tempo vividos e, projetando um futuro com muitas perspectivas para os jovens de hoje, que serão os idosos de amanhã. Desta forma, tem se tornado num espaço de exercício de cidadania para alunos(as), gestando uma imagem mais fiel à realidade desse contexto etário, apontando a heterogeneidade de universos. Ele apresenta a fertilidade do local universitário e desvela o aprendiz na maturidade, na volta às carteiras escolares; a intensidade de vida declarada nos olhos cheios de brilho e na perplexidade diante do novo e do desconhecido; o renascimento provocado pela (re)descoberta do aprender e do conhecer. E principalmente, anuncia o potencial de produção intelectual do universo das muitas idades vividas. Constituído como projeto, ele é reavaliado a cada número, consolidando espaços e abrindo outros novos. Esse processo de depuração contínua gera um aprendizado muito profícuo para todos os que dele participam. O jornal se aprimora e cada sujeito transforma-se junto com ele. Autor e obra se transmutam. A expansão do jornal reflete a expansão das pessoas na exploração de novos territórios e na descoberta de habilidades e capacidades. A publicação é gestada no entrelaçamento de idéias e na tecitura de sentimentos, fazendo emergir aos poucos a identidade de cada um, assumindo uma produção inovadora que resulte em melhores condições humanas e éticas para todos os participantes e para a sociedade. Bibliografia KACHAR, Vitória. Terceira idade e Informática: aprender revelando potencialidades. São Paulo: Cortez, 2003. ____________.Jornal Compuctador: um projeto de construção de cidadania pela e para a terceira idade. In KACHAR, Vitória. (org.) Longevidade: um novo desafio para a educação. São Paulo: Cortez, 2001. KEHL, Maria Rita. A 'teenagização' da cultura (1) Sentido da vida se esvazia com a desvalorização da experiência no mundo contemporâneo, acessado em http://www.prpg.ufpb.br/~gepis/index2.htm, 20/09/2000. Texto publicado no Jornal Folha de São Paulo, Caderno MAIS! 20 de setembro de 1998. [1] Mestre e Doutora na Pós-graduação em Educação, PUC/SP. Professora da Universidade Aberta à Maturidade da PUC/SP e coordenadora do jornal Compuctador. Coordenadora Executiva do curso de extensão: Educação e Envelhecimento I e II, PUC/SP – COGEAE. Professora na graduação do UNIFIEO. [2] Essa poesia foi feita por uma das alunas da Universidade Aberta e publicada no Jornal Compuctador. |