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Remédio demais pode ser perigoso

 


Cinthya Leite pesquisadora mentora

Pergunte a um idoso se ele toma algum remédio. Provavelmente a resposta será positiva, principalmente pelo fato de a velhice vir acompanhada de doenças decorrentes do desgaste dos órgãos e de problemas psicossociais, como a depressão. “É importante ter cuidado com o grupo que é polimedicamentado para que eles não sofram interação medicamentosa”, diz a geriatra Maria José dos Prazeres, do Conviver Geriátrico.

Ou seja, se a combinação não considerar o funcionamento orgânico geral do paciente, é possível que algum remédio anule ou exacerbe o efeito de outro administrado. “É assim que aparecem reações adversas, pois os idosos são mais sensíveis às substâncias presentes nas drogas. Os contratempos mais comuns entre eles são de ordem gastrointestinal, neurológica e alérgica”, informa o médico João Roberto Azevedo, do laboratório de investigações médicas da Universidade de São Paulo (USP).

De acordo com ele, nessa faixa etária, a utilização de medicamentos representa cerca de 25% dos remédios vendidos, o que evidencia que há uma tendência muito grande para a automedicação e para o uso continuado e sem critério. “Ao receber um diagnóstico de uma doença grave, a família geralmente procura alternativas diversas, que passam por chás, produtos fitoterápicos e medicamentos tradicionais”, afirma Maria José.

“Só que essa combinação, ao invés de melhorar o quadro, pode piorá-lo. As alternativas homeopáticas, por exemplo, podem aumentar os efeitos dos ansiolíticos”, adverte. Os médicos também alertam os idosos em relação à utilização freqüente de outros medicamentos não prescritos por médico, como laxantes, antiácidos, vitaminas e antigripais. A questão é que eles podem levar a conseqüências indesejáveis quando associados a drogas indicadas pelos médicos.

“Existe uma parcela de drogas que exige maiores cuidados quando combinadas, pois podem acarretar tonturas e, assim, favorecer as quedas e, conseqüentemente, as fraturas. É o caso dos antidepressivos e tranqüilizantes”, diz João Roberto.

Já o uso freqüente de produtos naturais deve ser cauteloso, pois geralmente não são controlados pela Vigilância Sanitária. “A associação do Gingko Biloba (que promete melhor a falta de memória, queixa comum entre os idosos) com anticoagulantes (aspirina e dicumarínicos) pode facilitar o sangramento por aumentar a ação anticoagulante.”

Para evitar alterações nos efeitos de um remédio em razão da ingestão simultânea de outro, é preciso prescrever o mínimo de drogas possível. Pode acontecer de dois ou mais medicamentos tomados simultaneamente terem efeitos similares, o que facilita uma duplicação terapêutica.

“Uma pessoa pode, por descuido, tomar medicamentos com o mesmo ingrediente ativo, o que leva ao aumento do efeito e à dificuldade de diagnosticar se as reações são da doença ou do efeito da medicação”, alega Maria José, que fornece dicas para os idosos não se confundirem na hora da administração.

“A principal alternativa é recorrer a esquema farmacológico. Funciona assim: a pessoa que cuida do idoso deve escrever em um papel, sob orientação do médico ou enfermeiro, o nome do medicamento seguido da hora em que deve ser tomado.” Assim, diminuem os riscos de esquecimento e de ingerir uma droga errada.

Cuidados desse tipo são seguidos pela aposentada Juliene Vila Nova, 72 anos, que diariamente precisa tomar 15 comprimidos (entre hipertensivos, remédios para memória, diabete e doenças vasculares) além de ter que recorrer duas vezes às injeções de insulina.

“Sigo um roteiro sob supervisão médica. Quando chega a hora, tenho ajuda da minha cuidadora (Tânia dos Santos), que observa se tomo todos corretamente”, diz Juliene. “Nunca tive reações graves por causa dos cuidados, mas confesso que, às vezes, fico sonolenta”, continua. A companhia de Tânia, bom frisar, é importante. É ela quem observa se Juliene tem dificuldades na deglutição dos comprimidos ou se deixa de tomar algum. Após o café, o almoço e o jantar, ela precisa ingerir três pílulas e, se não houver cuidados, alguma pode passar em branco.

Dificuldades

Entre as barreiras encontradas para receitar remédios para os idosos está o fato de eles serem produzidos com base em estudos realizados em pessoas jovens. “Geralmente a dosagem sugerida na bula destina-se a pessoas com menos de sessenta anos. Por isso, os médicos têm que fazer adaptações”, assegura João Roberto.

Então, não é de se estranhar caso o médico indique dois medicamentos similares, mas não idênticos, para se obter um efeito maior. Assim, pode-se aconselhar dois medicamentos anti-hipertensivos para uma pessoa cuja pressão alta é de difícil controle.

Entre os pacientes de difícil controle, estão os portadores de insuficiência renal. “Como é o rim que ‘filtra’ as substâncias, pode ser que o mau funcionamento do órgão acumule os princípios ativos no organismo e favoreça a interação medicamentosa”, conclui o médico.

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Fonte: Jornal do Commercio, 28/11/2004