Como a mídia trata os idosos:
uma experiência com Datena
No dia 20 de abril de
2003 alguns profissionais que atuam com o segmento idoso na
cidade de São Paulo foram convidados a participar do programa
Datena, na TV Bandeirantes, no qual seria abordado o tema do
envelhecimento. A produção do programa informou que se faria
uma discussão a partir de depoimentos e histórias de idosos
que estariam presentes: morador de rua, idosa que entrou na
faculdade, moradora de uma instituição para idosos, idoso
inserido no mercado de trabalho...
Ao julgarem que esse
programa poderia ajudar a construir uma outra imagem da
velhice - não a negativa, tão reforçada pela sociedade, mas
aquela na qual os idosos lutam por uma vida mais digna, com
direitos e deveres e pela implementação do Estatuto do Idoso
-, algumas pessoas se dispuseram a participar. Contudo, o que
ocorreu foi a utilização sensacionalista e tendenciosa de
depoimentos e fatos envolvendo situações de abandono e
violência dos idosos.
O apresentador, que se dizia preocupado com os idosos,
mostrou-se interessado apenas em repetir exaustivamente a
projeção de vídeos ou das histórias, reduzindo a questão da
velhice ao abandono, desrespeito e violência principalmente
por parte da família, do estado e da sociedade, realizando uma
generalização deformante da realidade, e tratando os idosos de
forma caricata e desrespeitosa. Apenas mostrou uma das muitas
faces do envelhecimento e de forma sensacionalista.
Todos nós que trabalhamos com idosos conhecemos essa realidade
e a consideramos grave, mas sabemos muito mais que isso e que
há também muitas outras formas de viver esse período da vida,
mesmo que com dificuldades financeiras e com pequena cobertura
das políticas públicas. Há muitíssimos idosos que lutam pelos
direitos de cidadania desse segmento, construindo pouco a
pouco um forte movimento social, que muito contribuiu para
aprovação do Estatuto do Idoso. Idosos que vivem sua velhice
com dignidade e solidariedade, que escolhem viver de livre e
espontânea vontade em repúblicas, em instituições de longa
permanência ou mesmo sozinhos. Mas isso não interessa a Datena.
Não dá ibope falar de uma velhice mais digna e feliz, não dá
para falar: "me chama que eu vou!".
Os profissionais, idosos e entidades presentes não puderam se
manifestar porque simplesmente o programa não lhes deu voz. Só
o apresentador falava, fazendo uso de um sentimentalismo
barato, reforçando o mito que encara o velho como o coitadinho
e infeliz. As poucas tentativas de se colocar contrapontos às
posições veiculadas foram cortadas pelo apresentador. Os
convidados, chamados justamente para contribuir com essa
discussão, foram totalmente desconsiderados.
O programa, que durou 1h30, não abordou seriamente as questões
que envolvem o envelhecimento, e mostrou mais uma vez que a
mídia não contribui para mudar a visão que se tem da velhice.
Pelo contrário, ela vem reforçando uma cultura que encara de
forma preconceituosa o processo de envelhecimento. E ao
explorar a imagem sensacionalista de algumas formas da
velhice, absolutiza a miséria humana e faz dela mais uma
mercadoria que tem como único objetivo segurar o ibope. Não
compactuamos com esse tipo de programa.
Infelizmente, milhares de brasileiros perderam a oportunidade
de assistir à discussões envolvendo questões importantes
relativas ao envelhecimento da população como um todo e de
cada um de nós em particular, tais como: Quem cuidará de nós
quando envelhecermos? Os filhos? E quem não os tem? Como é
nosso relacionamento familiar Para onde iremos quando não
tivermos mais condições mentais nem físicas de cuidarmos de
nós mesmos? Que políticas públicas vêm sendo criadas para
atender os idosos? Qual o papel do Estado no atendimento às
demandas dessa população. Como nos organizarmos para tornar
presente ao Estado e à sociedade a questão social do
envelhecimento Enfim, tantas questões que devem ser
urgentemente discutidas por todos, pois nossa velhice depende
do que hoje formos capazes de redesenhar criativa e
solidariamente.
Ao final do programa, nos bastidores, às 19 horas, os idosos
foram encaminhados pela produção do programa para suas casas
sem nem mesmo um café, e muitos estavam ali desde as 11 horas
da manhã.
É assim que se tratam
aqueles a quem se diz defender?
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É muito triste percebermos que de fato ainda não existe
uma política e também uma conscientização da população de
que o indivíduo que envelhece, merece e deve ter um lugar
de dignidade e respeito. Mas acredito que nós gerontólogos
possamos dar um pouco de nossa contribuição e ajuda nesta
luta que merece todo o nosso esforço.
Enviado por Dorli Kamkhagi
05/08/2004 - 00:11hs
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Que programas como o do Datena são sensacionalistas não é
novidade. Fazem sensacionalismo com todos os assuntos. Com
o envelhecimento, não seria diferente.
Mas a mídia, em geral, tem dado uma ênfase diferente à
velhice, mesmo que isso ainda esteja em um processo
inicial. A novela "Mulheres Apaixonadas" mostrou ao Brasil
como os idosos podem ser mal tratados mesmo sob o teto de
famílias de classe média. O Estatuto do Idoso, talvez uma
das maiores conquistas da sociedade nos últimos tempos,
foi amplamente divulgado em todos os meios de comunicação.
Mais recentemente, a cassação da liminar que violava o
Estatuto acabando com a garantia de 2 lugares gratuitos em
ônibus interestaduais para idosos carentes e 50% de
desconto nas demais passagens foi mostrada como uma
vitória da justiça.
Ainda há muito a fazer, mas, como nunca, estamos no
caminho certo.
Enviado por André Graziano
09/08/2004 - 23:08hs
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Infelizmente, programas como o
de Datena não acrescentam muito à sociedade, apenas ao
ibope. Daí a exploração mórbida de imagens que não
retratam nosso país. Mas é um programa que prende a gente
e não conseguimos sair da frente da tela nem no comercial.
Por que isso acontece? Será que só gostamos de desgraças?
Lembro desse programa, foi passada uma imagem de uma
senhora nem tão velha assim que estava acorrentada em um
quarto vazio como se fosse um animal sarnento. Essa imagem
foi colocada várias vezes no ar. É claro que acharam um
bode expiatório: a filha! Mas se pensarmos direito o
culpado de toda essa história é o próprio programa que ao
invés de nos entreter com algo mais educativo fica nessa
baixaria. Afinal, que país estamos construindo? Que imagem
de velhos desejamos ser daqui a alguns anos? Certamente
amanhã seremos nós os protagonistas dessas baixarias, mas
é isso que queremos?
Enviado por Mário Lucena
10/08/2004 - 00:36hs
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